Imaginem três países:
No país A, 50% da coorte acaba o secundário (e 15% segue para o ensino superior). Dos outros 50%, 20% acabam o 9.º ano e 30% não o conseguem completar. Os professores deste país estão relativamente tranquilos, acham que o ensino, apesar de não ser o que era, é ainda razoável. O país indigna-se muito com os níveis de abandono escolar que invariavelmente faz com que os alunos, uma vez fora da escola sem qualificações, praticamente não tenham outra alternativa a serem trabalhadores pouco ou não-qualificados para toda a vida — mas, apesar da indignação colectiva, ninguém parece estar disposto a mexer realmente no sistema. Este é um país social, económica e culturalmente partido ao meio, há muita pobreza, mas a escola é ainda um pequeno santuário, uma vez que os problemas sociais são, a partir de um certo nível de ensino, deixados “lá fora”.
No país B, 70% da coorte acaba o secundário (e 30% segue para o ensino superior) e 25% acaba o 9º ano. Os professores não estão muito satisfeitos porque acham que o nível dos alunos baixou, tornando o seu trabalho mais difícil e menos recompensador. Aceitam mal que o Ministério da Educação do país tenha criado políticas — e obrigado o sistema a fazer um esforço — para abrir o sistema a alunos cuja carreira escolar raramente ultrapassava a barreira do básico. Afirmam que o país, vendido à moda do “facilitismo”, caminha para o abismo.
Não notam, porém, que são vítimas de uma ilusão: talvez o aluno médio seja menos bom do que num passado recente (é natural, a base de alunos no sistema, a partir de um dado nível, foi alargada), mas a coorte é, no seu conjunto, seguramente melhor, porque no passado metade dela não completava o secundário, e agora a maioria fá-lo. O secundário é visto como sendo menos exigente do que no passado — ignorando que alguns programas são dificilmente comparáveis, até porque se ensinam coisas novas, em resposta a exigências sociais também mais amplas (novas tecnologias, língua estrangeira desde o básico, etc.) –, embora, se não compararmos a qualidade dos alunos, mas a qualidade da coorte, possamos ver que esta é mais escolarizada e mais qualificada. E o que interessa para o país é a coorte, não apenas os alunos que estão no sistema.
No país C, as taxas de conclusão são um pouco melhores do que as do país B, mas a grande diferença está no facto de o país ter efectivamente incorporado a mensagem de que a escola é mesmo para todos; de o contrato entre o Estado e os profissionais para que as crianças tenham acesso ao melhor ensino possível (sobretudo aquelas que mais precisam da escola, e não os bons alunos) ser compreendido por todas as partes; e dos alunos, fruto de reformas anteriores no ensino básico, atingirem o ensino secundário mais bem preparados do que os jovens do passado.
Dado que são reduzidas as possibilidades do sistema educativo colocar os alunos com dificuldades fora do sistema (fenómenos generalizados e conhecidos, no país A, por “retenção” e “abandono”), existe capacidade instalada e competências organizacionais — fruto de um mix inteligente de políticas de oferta diversificada e de práticas pedagógicas de qualidade — para lidar e resolver o mesmo tipo de situações que provocam protesto no país B. A grande massa de cidadãos-contribuintes-clientes acha que a qualidade da escola justifica o que é pago em impostos.
Na verdade, o país A, o país B e o país C são o mesmo, mas em momentos diferentes no tempo. Hoje, e fruto do trabalho realizado nos últimos anos, Portugal aproximou-se da imagem do país B. Falta assegurar este avanço e dar os passos que permitam cumprir a transição para o país C.
[Publicado primeiramente no Simplex]
2 comentários :
Parece-me uma ideia interessante e optimista mas pouco real. Poderá ser outro país mas não será o caso de Portugal nem o A, B ou C porque não tem sido observável nos últimos anos no caso do ensino e da educação. Não se tem observado a evolução prevista nos três imaginados países.
De facto, hoje em dia raramente chumba um aluno porque quem é penalizado de múltiplas maneiras é o professor. Outro exemplo estranhíssimo que desmente as figuras apontadas nos três países é o suposto exame chamado Novas Oportunidades em que as pessoas de mais de 23 anos e sem nenhuma habilitação particular do secundário são submetidas a várias perguntas do género "de que cor são os caixotes onde se deve separar o lixo". Respondendo a meia dúzia de questões do mais banal e corriqueiro que se possa imaginar, têm acesso ao ensino superior.
Isto de facto não se passa em nenhum país imaginário. Passa-se neste país real e não ajuda ao desenvolvimento nem da instrução nem da educação, nem abona "a favor da corte".
Caro Miguel:
E em qual dos países vive? E foi você que escreveu tudo ou os assessores da Lurdes deram uma ajuda?
PS - com um bocadinho mais de facilitismo chegamos aos 110% nalgumas áreas - já pensou que as Novas Oportunidades podiam dar diplomas de 4ª Classe, fresquinhos na hora, aos analfabetos...? Era barato e dava uns números bons para as estatísticas.
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