1.º facto
Houve denúncias não desmentidas de que membros da Casa Civil do Presidente da República participaram na elaboração do programa do PSD. Sendo verdadeira, esta notícia é grave, porque põe directamente em causa a isenção que todos esperamos da mais alta figura do Estado. O que seria de esperar é que o Presidente da República investigasse esta situação e tomasse medidas expeditas em relação aos prevaricadores, para defender a sua imagem e garantir a lealdade no jogo democrático.
O que fez Cavaco Silva? Nada disto.
O que se viu foi um elemento anónimo da sua Casa Civil, que todos nós já sabemos ser Fernando Lima, começar a atacar o governo por ter sabido de tal facto. Ou seja, de acordo com a melhor táctica da fuga para a frente, a presidência da Republica, em vez de esclarecer um facto grave, inventou um facto ainda mais grave. O guião é este: nós andamos a fazer o programa eleitoral do PSD, mas se o PS sabe é porque nos anda a espiar.
O toque cómico deste enredo é dado pela demonstração que foi feita, que não desmerece a cena em que Colin Powell mostrou parafusos no Senado norte-americano para provar que os iraquianos tinham armas de destruição massiva.
Um assessor chamado Rui Paulo Figueiredo, numa deslocação oficial à Madeira, sentou-se numa mesa em que estavam elementos do staff do Presidente da Republica.
Numa conclusão à Get Smart, tudo ficou evidente: foi o tal Rui Figueiredo, se calhar com microfones pequeninos escondidos, que andou a espiar a Casa Civil do Presidente da Republica na Madeira.
2.º facto
O DN teve acesso a mensagens trocadas entre jornalistas, que falam por si. O industrioso Fernando Lima telefonou para o sempre disponível José Manuel Fernandes para lhe vender a terrível historia: o Governo andaria a espiar a Presidência da Republica.
Mas como até o próprio José Manuel Fernandes poderia ter duvidas, Lima sentiu-se obrigado a arranjar um fiador. E que melhor fiador poderia ele arranjar senão o Cavaco himself? Portanto, afiançou que estava a falar a mando do Presidente da República para denunciar suspeitas de escutas.
Este invulgar exercício revela bem o sentido de Estado dos seus protagonistas. A nenhum ocorreu recorrer às autoridades públicas para comunicar suspeitas. É sempre melhor recorrer aos bons ofícios de um jornalista amigo para criar um grande escândalo e prejudicar o Governo. E continua a seguir-se a táctica da fuga para a frente: fazer esquecer um facto grave de que se é responsável com a invenção de um facto ainda mais grave.
3.º facto
O Presidente da República diz que tudo se esclarecerá depois das eleições e Fernandes vai dizendo que o culpado é o SIS, a polícia ou outra entidade qualquer. De qualquer maneira, para Fernandes o culpado é sempre o Governo e, sem duvida, Sócrates mais do que qualquer outro.
Perante a evidência de que os e-mails chegaram às mãos do DN através de um vulgar reenvio, os visados começaram a fazer muito barulho. É a táctica do polvo — lançar muita tinta para não se ver nada.
O que está por explicar é se o Lima agiu por conta própria ou a mando do Presidente. Se agiu por conta própria, no exercício de estilo em que é useiro e vezeiro, o porta-voz de Cavaco teria de ser imediatamente corrido. Por razões de elegância, poderia ser ele a ter a iniciativa.
Mas a coisa mais preocupante ainda é ter de ser Cavaco a justificar Lima. O porta-voz ficou calado e Cavaco fez uma nota de imprensa verbal a dizer que explicaria tudo depois das eleições. Esta metodologia autoriza as maiores suspeitas. Lima só pode ter agido a mando ou pelo menos com a conivência de quem agora vem à liça.
4.º facto
Não é difícil fazer uma previsão para o futuro. Depois das eleições, e depois de ter passado o período de nojo destinado a garantir o esquecimento, todos sabemos o que se vai passar. Qualquer averiguação se destinará a apurar se as comunicações telefónicas e informáticas são seguras. Sobre a relação promíscua entre o mais alto magistrado da Nação e os jornalistas, sobre o espantoso sistema de favores recíprocos e até sobre o papel de Lima, nada se dirá. Sic transit gloria mundi…
Pode, no entanto ,Cavaco ficar convencido de uma coisa: no fim de toda esta história, todos quantos o ainda não sabiam, ficaram a par do seu sentido de Estado, da sua isenção política e da forma como conduz a sua tão apregoada cooperação estratégica. É algo que todos iremos recordar no ano de 2011.
4 comentários :
JM FERNANDES foi escutado. Afinal não foi escutado. Afinal não sabe se foi escutado... mas não deve ter sido, afinal...Afinal o que fez foi ESCUTAR os JORNALISTAS e o PROVEDOR! e tenta reduzir tudo À revelação de uma fonte pelo DN. Sem perceber que este assunto, para além do nome da fonte, só podia ser notícia. Como o seria no PUBLICO, em caso diverso.
Cavaco perdeu a recandidatura. Deve mesmo demitir-se. RENUNCIAR. O que aconteceu é impensável em democracia. Um presidente en concluio com assessor e jornalistas do Público para deitar abaixo um PM.
Até lá vai plantando o que lhe aprouver.
Este presidente não tem estutra para o cargo.
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