quarta-feira, setembro 09, 2009
Benefícios fiscais: quando os extremos se tocam
Sustentar que os benefícios fiscais são “armadilhas” e “esquinas” que só os iluminados dominam, e que por isso há que os eliminar, tem sido o grande argumento dos neoliberais para vender a flat tax — a taxa única sobre os rendimentos. Louçã socorreu-se deste argumento no debate de ontem com Sócrates.
A consequência desta opção seria um agravamento brutal da carga tributária — a menos que fossem reduzidas as taxas em vigor, o que beneficiaria sobretudo os que possuíssem rendimentos mais elevados. A grande derrotada desta política seria a classe média, sobretudo desde que, em 2000, o Governo de Guterres alterou o modo de cálculo dos benefícios fiscais.
Com efeito, antes das alterações aprovadas no tempo de Guterres, a situação era a seguinte:
Imagine-se um contribuinte cujos rendimentos são tributados à taxa de 10,5 %. Se esse contribuinte (ou alguém do seu agregado) tivesse problemas que implicassem despesas de saúde (ou de educação, por exemplo) de 1.000 euros, podia abater ao rendimento 105 euros. Um outro contribuinte, com rendimentos elevados, e por isso tributados à taxa de 42 %, podia abater, tendo em conta despesas de saúde também de 1000 euros, 420 euros.
A alteração à lei levada a cabo pelo Governo de Guterres visou tornar o sistema mais justo, dando benefícios maiores aos contribuintes de menores rendimentos. Em lugar do abatimento ao rendimento, a lei passou a prever a dedução à colecta à taxa de 30 por cento, em que, no exemplo das despesas de saúde de 1000 euros, todos os contribuintes passam a poder deduzir 300 euros.
A proposta suicida de Louçã significaria um agravamento da carga fiscal de 1000 milhões de euros, suportados esmagadoramente pela classe média.
Acresce que toda a filosofia do IRS assenta na existência de compensações para os contribuintes cujos rendimentos, por razões de saúde ou outras situações previstas na lei, vêem os seus rendimentos reduzidos. Só é possível abandonar o actual sistema fiscal se se realizar uma (contra-)revolução na tributação do rendimento. É o que pretendem os neoliberais. Louçã está de acordo com eles.
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3 comentários :
Estou longe de ser neoliberal, e regozijo-me que Sócrates tenha confrontado Louçã com a sua profunda demagogia e radicalismo.
Mas...
É verdade que a dedução à colecta, e não ao rendimento colectável, aproxima a fiscalidade de uma situação mais justa.
Mas não deixa de ser sempre profundamente injusto:
1 - Que haja deduções (parciais), por exemplo de 30%, apenas efectivas... para quem pode suportar os outros 70%!
2 - O próprio princípio das deduções fiscais, seja à colecta e ainda mais ao rendimento: quem tem tão fracos rendimentos que fica isento de IRS, mas que contribui (pesadamente) como qualquer outro para o bolo fiscal em que o IRS é uma ninharia, fica prejudicado pois as deduções que poderá pedir não produzem nenhum efeito... Mais justo seria que o Estado atribuisse (como imposto negativo) a esses contribuintes os montantes das deduções de que não puderam beneficiar... por escassez de rendimentos!! E nada de escandaloso haveria nisso.
Claro: as deduções ao rendimento colectável são ainda mais injustas. Mas, salvo raras excepções bem específicas e delimitadas, os benefícios fiscais só serão justos quando forem puramente e simplesmente eliminados.
Também é verdade que Louçã diz o que convém na ocasião. Recordo-me que, há algum tempo já, o BE foi dos que mais veementemente protestaram contra a limitação dos benefícios fiscais a deficientes com muito altos rendimentos.
Se há que acarinhar a classe média, podem bem jogar com as taxas intermédias: no mínimo, a situação será mais clara. Já o meu vizinho não passaria o tempo a vociferar contra o dinheiro com que o Estado contribuiu para a instalação dos meus painéis solares, que me permitem obter mais benefícios fazendo economias nos custos de energia. É que ele não tem dinheiro para financiar o restante e, diz ele, ainda que tivesse, nem sequer dispõe de casa que lhe permita instalar os painéis...
Em contra-partida, a minha amiga professora pode dar-se ao luxo de poder escolher o médico, certa de que entre a ADSE e as deduções ela não entrará em falência. Enquanto eu, pertencendo àquela classe privilegiada dos que não têm médico de família, faço bicha para poder pagar os 2 euros e tal e já fico feliz quando consigo a consulta a tempo da cura, e nem sequer penso que pouco ou nada vou poder “meter” no IRS...
PS - Como não me sobra dinheiro para alimentar PPR, não posso assim aceder aos 400 euros.
É interessante como certos ditos liberais e intelectuais mostram a sua simpatia pelo Dr. Louçã - nem se apercebem do que significaria o sistema totalitário que lhe está por trás.
Como se vê há um elemento comum entre muita gente: o ódio - INVEJA - de Sócrates.
Leio muito mas comento pouco, muito pouco mesmo, especialmente comentários. Mas se isso acontece e sou mal interpretado, acho que devo esclarecer.
Vem isto a propósito do comentário anónimo de Qui Set 10, 01:22:00 PM . Se se refere ao comentador que o precede, e que sou eu mesmo, peço desculpa pela falta de clareza e quero tranquilizá-lo:
Primeiro, embora, confesso, tenha já visto o BE com alguma simpatia, o Louçã não me inspira actualmente a mínima simpatia e confiança. Acho-o mesmo de uma desonestidade (política, devo precisar para os eventuais distraídos) que só pode comparar-se ao ar raivoso – esse sim - com que exprime o seu radicalismo. Mas isso não me impede de estar de acordo com ele neste ou naquele ponto, e de o exprimir se achar oportuno.
Segundo, já tive menos simpatia por Sócrates. Nada de ódios e invejas, claro, algumas posições que não envergonhariam o lado direito do espectro político e me causaram alguma urticária. Mas, graças à sua acção, a uma legislatura que faz dele o melhor primeiro-ministro de que há memória, à sua coragem e perseverança na luta que diariamente tem de enfrentar contra todos os bandalhos e pulhas deste país, e que verifico, com mágoa, serem mesmo muito mais numerosos do que eu imaginava e em todo o horizonte político (repito “todo o horizonte político”), estou agora ouvindo alguns na casa da democracia, só posso admirá-lo e estar sem reservas do lado dele, desejando-lhe uma vitória incontestável, que merece, que será uma vitória para o país e mesmo para muitos que se têm embriagado com mentiras e calúnias. Mas isso não me impede de estar neste ou naquele ponto em desacordo, e de o exprimir.
Se reler novamente o texto poderá confirmar que, embora eu me tenha regozijado com a eficácia da argumentação e o encostar do Louçã às cordas, como merece, lamento que por esta ou outra via a distribuição destes benefícios fiscais seja considerada um instrumento de justiça fiscal.
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