terça-feira, outubro 06, 2009

Leituras atrasadas

• Vicente Jorge Silva, Pior era impossível:
    É difícil imaginar um texto em que os argumentos se contradizem tanto entre si como sucedeu na última declaração presidencial. O Presidente pretende colocar-se de fora da intriga, lavando as mãos de qualquer suspeita de conhecimento prévio do seu enredo. Mas, ao mesmo tempo, desculpabiliza os membros do seu staff eventualmente envolvidos nela (é o caso de Fernando Lima, a cuja demissão não faz a menor referência), enquanto aponta como responsáveis exclusivos pela malfeitoria algumas «destacadas personalidades do partido do Governo».

    Por um lado, propõe-se combater as suspeições, mas, finalmente, só contribui para agravá-las – sem avançar nenhum facto concreto, nenhuma prova, apenas interpretações assumidamente subjectivas e cuja fragilidade e incoerência não resistem à mínima análise.

    Que Cavaco tenha sentido a necessidade, para justificar-se, de acusar figuras de segunda linha do PS (os não nomeados José Junqueiro ou Vitalino Canas) como responsáveis por um ultimato ao Presidente da República é algo que ultrapassa a imaginação. É que, sem aparentemente dar-se conta disso, o chefe do Estado aceita descer ao nível de figurantes políticos a quem reconhece a importância de poderem colocar-lhe ultimatos. Inimaginável, de facto.

    Numa intervenção a que o Presidente procurou emprestar uma solenidade muito severa e até zangada, a matéria de fundo são episódios de coscuvilhice política que sustentariam a suspeita de vulnerabilidades na segurança da correspondência electrónica presidencial. «Será possível alguém do exterior entrar no meu computador e conhecer os meus e-mails?» – interroga-se o Presidente. E, aqui, Cavaco mistura deliberadamente a violação do e-mail do Público pelo Diário de Notícias – que, como toda a gente já sabe, teve origem a partir do interior do Público e não através de ‘espionagem’ externa – com a possibilidade de ele próprio poder estar sujeito a violações idênticas no palácio de Belém.

    Além disso, como se explica que, a partir de indícios e suspeitas para os quais o Presidente e o seu staff não terão acordado só agora, se tenha procedido apenas no dia da comunicação presidencial – segundo revelou o próprio Cavaco Silva – a um rastreio das vulnerabilidades na segurança de Belém (preocupação que, aliás, deveria constituir um trabalho de rotina para os serviços competentes)? Das duas, uma: ou o palácio está mergulhado num sono de imprevidência profundo ou, então, instalou-se ali um complexo de cerco e um ambiente de paranóia.

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