- ‘O direito das liberdades diz respeito ao foro da dúvida, da hesitação, sinais de uma obra jurídica centrada neste bicho da terra tão pequeno, mas que é a nossa única fortuna de bens morais. As convicções fechadas, as arquitecturas de fronteiras nítidas, sempre no fio da navalha e unidireccionadas, prejudicam a visão clara dos problemas e sobretudo das soluções.
Dá-me conforto ter um procurador-geral da República pluridisponível, desde que mantenha como tem mantido o essencial.
E o essencial nas justiças é que seja blindado o que é só nosso, afinal a base de podermos ter em conta quer os outros na sua diferença incontornável, quer o comum da sociedade: ... suum cuique tribuere, da antiguidade romana. A plena transparência de si próprio, totalitária, diz respeito a um angelismo legal que destrói este Estado de direito, edifício das liberdades para a liberdade e o bem-estar do povo. Pelo contrário, centenas de anos de Inquisição, o episódio ridículo de uma dezena de Ministério Público sem procurador-geral, sob Salazar, a mera ineficácia sociojurídica das pequenas memórias judiciais - impeachment de D. Afonso VI, execução pombalina do Duque de Aveiro, referenda pretoriana das forcas de D. Miguel, as sentenças dos tribunais plenários (... quando os lobos julgam, a justiça uiva), bastam para nos indicar a nós juristas que mais vale a lealdade dos exercícios forenses espontâneos e preocupados com cada um na sua singularidade do que os construtores das ordens do desejo de quaisquer vila-francadas.
Tomo agora o desastroso caso Lopes da Mota desastroso para os juristas portugueses: não voltarão a ter tão cedo a presidência do Eurojust, esse embrião do Ministério Público Europeu, que coube ao visado por mérito de universitário e enquanto perdurar a memória de elefante, em Bruxelas. Desastroso para a amizade entre colegas e desastroso para o bom senso: a minoria vencida no despacho da suspensão propôs o melhor desfecho para o caso, afastando-se da cegueira das paixões nacionais, sem receios.
Como poderia o PGR não transmitir todo este emaranhado de dúvidas, se a independência dos magistrados é, antes de mais, tributária da virtude da fortaleza, atributo de cada um, muito menos que da protecção dada pelas instituições? Não é argumento de descrença no procurador-geral Pinto Monteiro, não! Nem é contraditório dizer, convicto, que a matéria das escutas Armando Vara/José Sócrates, no caso Face Oculta, nada tem de importante para um juízo público a partir do que ficou gravado e, por fim, respeitar rigorosamente essa individualidade radical de que aqui partimos.
Criticável é o sofisma de pretender saber o que é proibido ouvir, por motivos ditos jurídicos de controlo público das decisões do MP: a proporcionalidade constitucional, no rumo da convergência prática dos dois direitos fundamentais que marcam as esferas pública e privada, tem aqui um papel de imposição directa e, por isso, de lealdade ao ordenamento.’
2 comentários :
Então o Pedro Lomba não era "arraia miúda"?
Olha, olha...
O lomba que formiguinha perante tal argumento, ficou zombie. O rapaz que se trate.
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