quinta-feira, janeiro 28, 2010

Leituras

• João Cardoso Rosas, Apanhado em contrapé:
    Na segunda e mais importante parte do seu livro, Pedro Passos Coelho considera inevitável a mudança do Estado no sentido deixar de ser fazedor para ser meramente regulador. Mais que isso, preconiza o carácter supletivo do Estado e a transferência dos seus recursos para o sector privado. Num raciocínio típico do liberalismo de direita, PPC releva apenas a importância das funções de soberania - e a necessidade de o Estado as desempenhar melhor -, mas aponta a urgência de rever as suas funções sociais. Fala também de igualdade de oportunidades e equidade social, mas isso é contraditório com o que se disse anteriormente e desempenha na sua prosa uma função retórica.

    É certo que PPC tenta uma defesa preemptiva face a este tipo de acusação e não deixa de o fazer com galhardia. Numa secção intitulada "As grandes ilusões da crise global", PPC procura mostrar que a crise actual não é nem deve ser o fim da economia de mercado e o regresso à economia estatizada. Isso é certamente verdade. Mas a economia de mercado tem muitas formas e não se confunde com o capitalismo de laissez-faire. A crise que temos atravessado está a mudar a visão prevalecente sobre a relação ente o mercado e o Estado, e não no sentido preconizado por Passos Coelho. A realidade é o que é e não adianta tentar evitá-la. A visão que PPC tem do papel do Estado - que é a questão central da política actual - já fez todo o sentido num passado recente, mas surge agora fora do tempo.
• Manuel Caldeira Cabral, Os mitos do investimento de iniciativa pública:
    Nos últimos meses, a discussão sobre os investimentos de iniciativa pública centrou-se na questão do seu contributo para o défice e para o endividamento, aspectos muito importantes.

    No entanto, num ambiente inquinado por alguma demagogia pré-eleitoral, parece ter-se estabelecido um simplismo de que, estando o País em crise, todos os investimentos deveriam ser adiados.

    Esta ideia é errada, quer do ponto de vista macroeconómico, quer na óptica das finanças públicas, quer ainda numa óptica de desenvolvimento do País.

    O apelo destes argumentos parte da ideia de tratar os investimentos como se fossem gastos. A ideia é simples, se gastamos mais um milhão, ficamos a dever mais um milhão. Tratando-se de investimento, esta ideia simplista pode ser profundamente errada.

    Por exemplo, ao ter promovido importantes investimentos em barragens (3 mil milhões), o Estado português teve um encaixe positivo de 623 milhões de euros.

    Estes investimentos estão a estimular a economia, estão a promover o emprego, e estão a diminuir o endividamento futuro. O investimento hidroeléctrico vai dar um contributo importante para reduzir a dependência energética, reduzindo o défice externo. Isto acontece porque se está a valorizar um recurso antes não aproveitado.

    O mesmo acontece com o novo aeroporto de Lisboa. Sendo um investimento de iniciativa pública, envolve principalmente capitais privados. Mais uma vez cria emprego, sem criar endividamento, e promove a competitividade externa do País.

    Esta ideia nem é nova, muitos dos investimentos em auto-estradas recuperaram os capitais investidos.

    Peço desculpa a quem já tinha as verdades bem arrumadas.

    Sublinho, no entanto, que há muitos outros investimentos que custam dinheiro ao Estado, salientando que essa não é uma razão para que não se façam. O Estado tem de olhar para a rentabilidade social de um investimento, e não apenas para a rentabilidade financeira. O Estado tem de olhar para o País e pensar que o desenvolvimento inclui também coesão social e territorial. Um país é mais do que o seu PIB, e quem não percebeu ainda isto não percebeu o essencial da análise económica.
• Marina Costa Lobo, O rumo mantém-se:
    A apresentação do Orçamento parece indicar que Sócrates não se entregou nem a uma aproximação à esquerda por motivos da campanha Presidencial em curso, nem à direita por pressão internacional.

    Há uma contenção nas despesas através de medidas como o congelamento nos salários da função pública, e uma diminuição das pensões na função pública, é certo, mas também uma manutenção de compromissos de investimento público sem a subida generalizada dos impostos. Nenhuma destas medidas é novidade e a continuidade nas políticas é uma aposta arriscada especialmente no contexto de volatilidade em que vivemos e nos valores de défice a que chegámos. Mas do ponto de vista político tem algum mérito, porque é coerente. Reflecte de muito perto o programa eleitoral do PS nas últimas legislativas o que significa que quem votou naquele partido não pode dizer-se agora defraudado com este Orçamento.

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