quarta-feira, janeiro 27, 2010

A welfare queen de Paulo Portas

Ronald Reagan lançou em 1976, na sua primeira corrida à presidência dos EUA, o mito da “rainha da assistência” (welfare queen), uma mãe solteira “com 80 nomes, 30 moradas, 12 cartões da Segurança Social, que recebia subsídios relativos a 4 ex-maridos inexistentes”. A “rainha da assistência” passou, desde então, a fazer parte do imaginário da América republicana e conservadora, e ajudou Reagan a ser eleito em 1980.

A retórica de Paulo Portas contra o “rendimento mínimo” — a designação anacrónica da medida faz parte da jogada saloia — assenta na mesma exploração da inveja social. Para isso, divide o país e o mercado de trabalho em dois. Num caso, temos o país do meio milhão de desempregados, gente abnegada, trabalhadora e responsável, que só não tem um emprego porque enfrenta um mercado de trabalho deprimido, onde o emprego não existe ou desapareceu por causa das “políticas erradas do Governo”; para esses, Portas está disposto a tudo, inclusive a ultrapassar o Governo pela esquerda, revelando-se curiosamente generoso, ao defender a majoração do subsídio de desemprego quando os dois membros do casal estão sem emprego (medida aprovada na sexta-feira passada com os votos da bancada do PS e do BE).

Depois, há o país dos 300 mil malandros do “rendimento mínimo”, onde, ao contrário do primeiro grupo, pululam empregos a cada esquina, pelo que a malta só não trabalha porque não quer. Neste segundo país, o mercado de trabalho oferece imensas oportunidades, e só não aproveita quem é preguiçoso. Não interessa que estejamos a falar de pessoas com baixíssimas qualificações e elevado grau de exclusão de qualquer enquadramento institucional e que, por isso, enfrentem ainda mais dificuldades em conseguir inserções profissionais (sobretudo duráveis) do que os habitantes do país honesto e trabalhador de Portas. Nada disto é muito difícil de entender por alguém com uma mediana compreensão de como funciona o mercado de trabalho, sobretudo num ano de forte crise — que explica o aumento de todas as prestações sociais, rendimento social de inserção incluído.

Quando se procura estimular a inveja social e ódio aos miseráveis, qualquer análise séria é um verdadeiro empecilho. Se a fizesse, Portas concluiria que os desempregados 'bons' e os desempregados 'maus' vivem no mesmo país.

6 comentários :

jose albergaria disse...

Impecável.
Se fosse Natal enviava-o, ao seu texto, como cartão de boas-festas (e com desejos de "tenha melhores maneiras"...)ao líder do Partido Popular (porque é que a direita conservadora gosta de se bochechar com o povo?)Dr. Paulo Portas.
Parabéns pela preciosa e claríssima análise.
J.A.

Miguel Abrantes disse...

Obrigado, José Albergaria.

B. disse...

Sem querer ferir susceptibilidades acho que a sua análise peca pelo mesmo motivo que critica PP: faz dos recipientes do RSI um "bando de coitadinhos" quando a realidade demonstra que nem sempre é assim. Num caso e noutro o problema reside nas generalizações.

O problema do RSI é que, de facto, reduz os incentivos para trabalhar. O recipiente do RSI encontra-se numa situação de indigência e de dificuldade de inserção profissional. As suas baixas qualificações são uma barreira à entrada no mercado de trabalho e os trabalhos que surgem são mal pagos ao ponto de "compensar" deixar-se ficar pelo RSI e tentar completar o rendimento com biscates não declarados ao fisco e contabilizados como despesas não-documentadas.

Trata-se de uma realidade que existe e que apenas não vê quem não quer. Isto leva a que muita gente generalize e se sinta revoltado contra o RSI quando o mesmo pode cumprir uma função social importantíssima de combate à pobreza.

No entanto, a realidade é apenas uma. Se os motivos que afastam a pessoa do mercado de trabalho não forem combatidos então a pessoa nunca irá sair da pobreza e permanecerá no RSI. O RSI aumenta exponencialmente a sua eficácia se for combinado com medidas de inserção social das pessoas - nomeadamente voltar à escola ou aprender um ofício técnico que permita à pessoa sobreviver no mercado de trabalho. Sem estas medidas o RSI torna-se permanente.

E se duvida do que digo recorde-se das queixas apresentadas recentemente pelos profissionais da panificação que reclamaram não conseguir encontrar pessoal em virtude de o RSI "roubar" as pessoas disponíveis para realizar esses trabalhos pouco qualificados. Os exemplos multiplicam-e.

Num caso e noutro devemos evitar generalizações!

jose albergaria disse...

Caro B.,
Desculpe, mas a "pólvora" já foi inventada.
As politicas pró-activas de criação de emprego; os múltiplos programas de inserção social; os programas de formação profissional...não teria fim o que por aí vai.
Há um único "segmento", para não dizer outra coisa, que é dificil de "contornar" nesta problemática do RSI: os ciganos.
Esta comunidade, "astuta","manhosa", com um cultura de fuga à "integração", à "inclusão", menos ainda à misceginação (mistura com outras etnias e ou comunidades)é que poderá estar a "abusar" do RSI. Mas quantos são eles? Que percentagem?Uma ninharia.
A história dos padeiros...é quase uma anedota.
Estamos a falar de quê? Condições de trabalho, remunerações e horários de trabalho, que têm, combinados, provocado a fuga desse ramo de actividade, para além das tecnologias de ponta que colocam em qualquer café, restaurante e/ou supermercado capacidade instalada par produzir na hora (que digo eu...), no minuto - qualquer tipo de pão.
J.A

baladupovo disse...

«Até o pouco que se coloca na mesa do pobre os ricos cobiçam».

João Raposo disse...

O RSI tem como objectivo, penso eu, ajudar as pessoas com baixas clasificações e desempregadas durante o período em que procuram trabalho para o seu sustento e da família que, eventualmente, tenham a cargo.A alimentação indispensável a qualquer ser humano deveria ser a preocupação do Estado e essa poderia ser fornecida pelas organizações governamentais e não governamentais subsidiadas pelo Estado.
Quanto às restantes despesas necessárias (saúde,habitação,etc)
deveriam ser coordenadas a nível do
poder local não permitindo a entrega individual de dinheiro para satisfação de vícios prejudicando os interessados e indirectamente a sociedade.