- • João Lopes, Mandela, Sócrates e os jornalistas:
- ‘Como é que o jornalismo televisivo lida com a actualidade política? Eis dois exemplos bem diferentes -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 de Junho), com o título 'Variações jornalísticas'.
1. Afinal, é possível fazer um jornalismo televisivo que recuse a facilidade da caricatura, interessado em tudo o que está para além da superfície das coisas, despertando-nos para a sua complexidade, sem receio de assumir os pontos de vista inerentes a um genuíno trabalho de pesquisa. Exemplo próximo: Mandela – Um Homem Bom (“Reportagem Especial”, SIC), um retrato político e humano, humanamente político, assinado por Cândida Pinto.
2. Alguns jornalistas televisivos (e das rádios) especializaram-se num novo tipo de desporto: esperar os membros do Governo, em especial o primeiro-ministro, à saída do hemiciclo da Assembleia da República, apontando-lhes uma dúzia de microfones e bombardeando-os com insinuações disfarçadas de perguntas, mais não procurando do que gerar irritação, descontrolo e reacções de desespero. A situação é tanto mais vergonhosa quanto ainda temos (teremos?...) valores sociais que nos garantem que nem mesmo um suspeito de crimes horrendos pode, ou deve, ser questionado naquele estilo de violência provocatória. Seremos uma sociedade mais democrática por vermos o primeiro-ministro sujeito a tais mimos? Ou ainda: informar democraticamente passou a ser entendido como um jogo pueril cujo único objectivo é conseguir que os políticos percam a paciência?
A primeira responsabilidade deste estado de coisas pertence a sucessivos Governos que já há muito deviam ter feito saber, oficialmente e sem ambiguidades, que os seus membros não estão para se sujeitar a semelhantes formas de humilhação. A segunda responsabilidade é da classe política que, com poucas excepções, tolera esta “caça ao escândalo” cujo efeito corrente é a desqualificação da nobre arte de fazer política (alguns, mais ingénuos ou apenas banalmente hipócritas, julgar-se-ão imunes, considerando que é bom para “degradar” a imagem do Governo...). Enfim, a terceira e mais vital responsabilidade pertence à própria classe jornalística que se tem mostrado incapaz de por fim a práticas que, todos os dias, apenas servem para manchar a sua dignidade e corroer um pouco mais o seu prestígio.’
• Miguel Vale de Almeida, Os tempos estão de Direita:
- ‘1. Detesto teorias da conspiração, mas não resisto. Pois, então, connect the dots: 1) foi lançada uma guerra contra o euro; 2) o ataque fez-se pelos elos mais fracos - Grécia,Portugal, Espanha; 3) estes países são governados por partidos socialistas; 4) os grandes países e economias da Europa são governados pela Direita; 5) a União Europeia não sabe reagir de forma firme e unida à “guerra”; 6) em vez disso tudo indica que aproveitará a situação para destruir o estado social como se de uma fatalidade se tratasse; 7) das reacções egocêntricas alemãs ao reforço dos nacionalismos de Direita em vários países, o clima é anti-europeu; 8)nem mais democraticidade no processo de construção europeu, nem mais integração ou reforço do governo económico estão à vista.
2. O mundo mudou mesmo. Mas aqui na paróquia quase ninguém discute a política e a situação em termos europeus. Nem as oposições, nem o governo, nem a comunicação social, nem os opinadores. Quando todo o discurso político deveria agora ser primeiro europeu e só depois nacional. Assim, nem as análises, nem as queixas, nem as propostas de solução têm uma base realista - acabam por ser comunicações de estados de alma, o que geralmente conduz à frustração; alimentando o círculo infernal acima descrito. Pelo caminho, há sempre os bons alunos a levantarem-se com o dedo no ar, ansiosos por serem mais papistas que o papa: Passos Coelho e a proposta de prolongamento dos contratos a prazo. Os tempos estão de Direita. Watch out.
3. E os tempos estão tanto mais de Direita quanto a Direita faz a propaganda de que os tempos são de Esquerda. Explico-me. De há uns anos para cá que o grosso da comunicação social portuguesa se especializa em criar uma representação da realidade assente em duas estratégias: tornar o pensamento de Direita em algo de fashion e pra-frentex, através do anti-politicamente correcto; e ao mesmo tempo denunciar o espaço público como estando dominado pela Esquerda. A estratégia resulta, apesar de parecer contraditória. Demasiado parecido com a propaganda, é o que é. Na realidade as notícias e o opinion making são esmagadoramente dominados por este direitismo fresco (ou pela frescura de direita, no sentido brasileiro da expressão). E ela dedica-se a quê? Bem, a dizer que tudo é dominado pela Esquerda, quando não há um único órgão da imprensa ou da TV que possa ser remotamente conotado com a Esquerda… Ao início, há uns anos atrás, o assalto da Direita fez-se através de algumas figuras com suposta autoridade académica; ao longo dos anos a recuperação da Direita tem sido apoiada por alguns directores de jornais e cronistas, a que se juntaram mais alguns académicos; mais recentemente (desde o aborto, mas sobretudo na discussão do casamento) surgiu um fundamentalismo que não conhecíamos e que foi beber técnicas e guiões aos evangélicos americanos. Pelo caminho, apuraram-se técnicas mais caceteiras, na tradição da aliança entre as elites reaccionárias e o lumpen: coscuvilhice, insulto, calúnia - na versão mais grosseira, através de blogs e comentários e pasquins de terceira categoria; na versão mais armada em séria, através da política do inquérito ou da fuga de informação judicial. Objectivo central? Tornar “indesmentível” a velha ideia de que os políticos são todos uma cambada (estando implícito que “a política” é uma coisa de esquerda; pois se ela é “porca”, de que outro matiz poderia ser?).
4. Alguém ainda se admira que “na boca do povo” surja cada vez mais a tentação totalitária? Ou que a Esquerda se deixe levar por toda esta (i)lógica - ora participando dela, nalguns casos mais radicais (desbaratando de vez a promessa criada nos finais dos anos noventa de uma Esquerda inteligente e moderna), ora limitando-se à reacção aos ataques, na área da governação, tal o fogo de barragem de que é alvo?
5. Precisamos de duas coisas, desde logo: de desmontar e recusar a estratégia de propaganda anti-sistema da Direita; e de inflectir o discurso político da Esquerda para o nível Europeu, assumindo a pouquíssima margem de manobra da governação nacional num país como o nosso. Caso contrário a Direita ocupa o vazio -o vazio criado pelo medo.’
1 comentário :
Relativamente ao expendido pelo agradecido MVA espera-se a criação duma "frente" com os católicos da "opus gay" que ao estilo dos cavaleiros da távola redonda façam vencer as forças do bem...
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