sexta-feira, agosto 27, 2010

Amanhã, em Lisboa



• Fernanda Câncio, Uma de cada vez:
    Há uma mulher no Irão condenada à morte por lapidação. Tem 43 anos, dois filhos (um de 22 e uma de 17), e, dizem- -nos, é culpada de "adultério "e de "envolvimento na morte do marido". Está presa há quatro anos. Este mês, o seu advogado fugiu do país e pediu asilo político. A seguir, a televisão iraniana difundiu aquilo que apresentou como a confissão desta mulher, uma voz sumida sob um véu, irreconhecível.

    Não, não é a primeira mulher a ser condenada à lapidação por adultério, no Irão (onde há mais 11 a aguardar a mesma execução) e fora do Irão. Não, não é novidade haver mulheres lapidadas por "relações sexuais ilícitas", algumas delas crianças, algumas delas vítimas de violação. Há imagens dessas execuções na Net, descrições atrozes que nos parecem mentira. Aliás tudo isto parece impossível de tão bárbaro, tão de outro mundo - um mundo onde se mata com pedras nem muito grandes nem muito pequenas para que a agonia dure, onde uma mulher pode ser o alvo de um jogo de acerta e mata por causa desta palavra, adultério, desta noção de que as mulheres são o mal e o corpo do diabo, feitas para castigo e submissão.

    Sim, apetece ignorar isto, apetece dizer: é tão longe e eu sou eu, só eu, que posso contra isto? Que posso fazer por ela, por essa mulher, Sakineh Ashtiani, da qual aprendi o nome nas notícias e o rosto sereno sob o véu negro numa foto talvez antiga, talvez de um tempo em que ela, como nós, achava impossível que isto pudesse ser, que pudesse acontecer-lhe, que fosse o nome dela nas cartas de celebridades e nos apelos do mundo, a cara dela nos cartazes e na TV, a vida dela a depender dos caprichos de um clérigo, de um "líder supremo", e talvez - talvez é talvez - também de mim?

    Posso isto, Sakineh, e perdoa que me junte assim aos que te fazem bandeira e causa e pretexto para grandiloquências, afirmações políticas e brilharetes e ultimatos e poemas. Posso dizer não. Posso dizer que não perdoo a quem não erga a voz contra a ignomínia e a obscenidade da tua condenação, contra a lei repugnante que te condena e o regime que a sustenta. Posso dizer que não admito que hoje, no meu mundo, no meu tempo, estas coisas se justifiquem com "diferenças culturais" ou "ordens internas"e não ocasionem protestos vigorosos de todos os governos que se querem decentes - a começar pelo do meu País. Posso dizer que vou estar atenta a todos os silêncios e que espero ver na primeira fila da tua defesa os que se afirmam apologistas incansáveis da vida e os que se reclamam de uma interpretação benigna do Islão.

    Sou só uma. Não posso muito. Posso só dizer: estou aqui, estou por ti. E por mim, porque tu e eu somos o mesmo, a mesma.

    Eu sou só uma, tu és só uma. É assim que começa. Amanhã, no Largo Camões, às 18 horas, Lisboa será uma das 103 cidades de todo o mundo a apelar pela tua vida.

3 comentários :

Bettencourt de Lima disse...

Estamos perante a barbárie mais repelente, mais indigna, mais vil, que se apresenta sob a forma de aplicação de preceitos religiosos e, no fundo, apenas esconde uma percepção da realidade baseada na desigualdade em relação à mulher, atavismo do mais primitivo. Preconceito que se arrasta desde os primórdios dos humanos, onde prevalecia a força física para sobreviver. De intelecto castrado, exibindo perante o mundo a bestialidade dos seus preceitos, pretende a todo o custo apresentá-los como se de elevação moral se tratasse. E ainda vem reclamar de «assuntos internos do estado iraniano». A ser assim, ainda havia provavelmente escravatura.
Não, ninguém pode ficar indiferente!
Repugnante!

Anónimo disse...

Força mulheres,sejam mais uma vez SOLIDÁRIAS.

Anónimo disse...

E que tal, em vez do folclore, uma marcha contra o próprio regime bárbaro, a favor da intervenção dos cowboys?