terça-feira, setembro 14, 2010

Pior a emenda que o soneto



1. Duas ideias (digamos assim) já saltaram do célebre pequeno-almoço com directores de jornais:
    (i) em vez de "motivo atendível", o despedimento passa a ser possível por "razões legalmente atendíveis";
    (ii) cai a moção de censura construtiva, para não bulir com os poderes do Presidente da República.
Ora, em ambos os casos é pior a emenda que o soneto.

2. Ao empregar a expressão "por razões legalmente atendíveis", como o PSD agora sugere, a Constituição passaria a remeter integralmente para o legislador (qualquer que ele seja, em cada momento) a definição dos casos em que o despedimento é lícito. Ora a Constituição não serve para passar cheques em branco ao legislador, serve — bem pelo contrário — para limitar e condicionar a liberdade do legislador que, em cada momento, está vinculado a respeitar os ditames constitucionais.

Com efeito, de acordo com a proposta do PSD, deixaria de haver nesta matéria quaisquer ditames constitucionais. Seria a total inversão de papéis: em vez de ser a Constituição a condicionar o conteúdo da lei, seria a lei a preencher livremente e a dar conteúdo à norma constitucional. É este o problema das normas constitucionais em aberto: deixam a Constituição na mão do legislador e ao sabor das concepções político-partidárias de cada momento, quando deveria ser o legislador a estar balizado pelas vinculações e orientações constitucionais.

Mas a situação é ainda mais grave: é que a lei para a qual a Constituição passaria a remeter não é uma lei de valor reforçado, nem uma lei que careça de maioria qualificada para a sua aprovação. Assim sendo, a definição das causas lícitas de despedimento ficaria nas mãos da maioria parlamentar de cada momento. Qualquer partido com maioria parlamentar poderia, em cada momento, alargar os motivos do despedimento. E nem a Constituição seria obstáculo a isso, uma vez que, caindo a proibição constitucional do despedimento sem justa causa e passando a Constituição nesta matéria a remeter integralmente para a lei, tudo o que a lei previr passa a ser admissível. O próprio Tribunal Constitucional deixaria de ter argumentos para censurar tal lei.

Em suma, o que está em cima da mesa é algo de muito grave — e bem pior do que a versão anterior do "motivo atendível": o que está em cima da mesa é passar totalmente para as mãos da maioria política conjuntural a possibilidade de definir em que casos o despedimento é lícito. E isto sem quaisquer limites ou balizas constitucionais. O legislador, isto é, a maioria parlamentar de cada momento teria total e ilimitada discricionariedade para definir em que casos os patrões podem despedir — isto é, teria carta branca para flexibilizar e precarizar a legislação laboral — sem que nada nem ninguém se pudesse opor a isso!

3. Quanto ao fim da moção de censura construtiva, é preciso explicar que aquilo que no anterior projecto do PSD limitava — e muito — os poderes do Presidente da República não era a moção de censura construtiva (esta condicionava, sim, o poder das oposições derrubarem o Governo, poder que actualmente é absolutamente discricionário e irrestrito), era antes a auto-dissolução do Parlamento resultante da chamada moção de censura simples. Sim, é verdade: o PSD tinha criado duas moções de censura em alternativa. Uma, a construtiva, visava reforçar a estabilidade governos minoritários — o que, no actual contexto, até parece fazer todo o sentido. Outra, a simples, implicava (segundo o projecto original do PSD) a imediata e obrigatória dissolução do Parlamento, sem que o Presidente da República fosse tido nem achado e sem que tivesse possibilidade de utilizar a sua magistratura para forjar uma outra solução governativa no mesmo quadro parlamentar.

Ora, nesta nova tentativa, o PSD baralha tudo: invocando a necessidade de não mexer nos poderes do Presidente, vem acabar com a moção de censura construtiva, quando era a autodissolução decorrente de uma moção de censura simples que mais limitava os poderes presidenciais.

Enfim, se o primeiro tiro falhou o alvo, este revela ainda pior pontaria...

2 comentários :

Caty Waves disse...

Não há margem para dúvidas: a principal intenção do Psd continua de pé - NeoLiberalizar Despedimentos Sem Justa Causa (à vontade do freguês).

ana disse...

Dou toda a razão ao passos. Afinal o patrão, que na maior parte dos casos não tem mais do que o 9º ano e é se tiver, tem todo o direito de chegar aborrecido. Assim, nada melhor do que despedir o primeiro funcionário que lhe apareça à frente. Por razões legalmente atendíveis, claro. Além disso, há décadas que os patrões não reinam como deuses no olimpo e isto assim não pode ser. Já toda a gente sabe que o investimento se paga com sangue. Ou agora queriam que os homens investissem sem serem donos de tudo, até do infeliz que, por mais que faça, nunca será livre? Ai, que saudades do tempo em que o patrão sabia sempre o nome de quem tinha feito uma denúncia ao sindicato! Mas se deus quiser e o passos ajudar, esses tenpos voltarão em glória e aí, sim, aí é que vai ser um é fartar vilanagem. Mal posso esperar por aquele rapaz garboso, sem lábios, que vem de massamá e passa as férias com a família numa vila piscatória.