quarta-feira, setembro 28, 2011

Liberalismo à tuga

O Governo em funções é, indiscutivelmente, o Governo mais (neo-)liberal que Portugal já conheceu. Mas, como qualquer formato televisivo importado, a versão doméstica deixa bastante a desejar em comparação com o original.

Passos Coelho, Miguel Relvas e os seus apaniguados gostam do rótulo liberal e aplicam-no em doses fartas, mas é um liberalismo a martelo, adulterado, que vai levando uns “jeitos” à medida que vai dando jeito. Na verdade, aquilo de que o actual Governo dá provas é de um liberalismo improvisado e provinciano, um liberalismo de conveniência que nada tem a ver com os fundamentos teóricos do pensamento liberal. Senão, vejamos.

De acordo com a doutrina liberal, ao Estado deve caber um papel essencialmente regulador, de supervisão e garantia do correcto funcionamento do sistema. Quando os liberais clamam por menos Estado, na verdade o que desejam é um Estado menos interventivo na economia e menos prestador, mas mais presente e com maior autoridade na fiscalização do cumprimento das regras (de concorrência, de higiene, etc.). Até porque só haverá verdadeira igualdade de oportunidades se todos se pautarem pelas mesmas regras. E só o Estado poderá garantir o cumprimento dessas regras. Assim, o que se pretende é um Estado que faz menos e condiciona menos, mas que fiscaliza mais e melhor, no interesse de todos.

Ora, ao arrepio desta lógica, o actual Governo – na sua ânsia de cortar, cortar, cortar no Estado (seja nas gorduras ou no lombo) – decidiu pôr em causa estruturas e mecanismos absolutamente vitais do Estado-fiscalizador. Começou pelas Inspecções-Gerais, fundindo várias e eliminando a histórica IGAL [Inspecção-Geral da Administração Local], uma instituição indispensável para assegurar que os nossos autarcas não põem o pé em ramo verde, para salvaguardar a legalidade urbanística e para evitar a multiplicação daqueles casos que se arrastam nos tribunais. O Inspector-Geral teve a coragem de chamar a atenção para o monumental erro que esta decisão comporta e foi imediatamente exonerado, sem apelo nem agravo.

Mas a coisa não ficou por aqui. Soube-se entretanto que o Governo vai isentar as empresas de comunicar o horário de trabalho (ou, sendo esse o caso, a isenção de horário) dos seus empregados à ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho], assim inviabilizando – na prática – qualquer possibilidade de controlo do cumprimento das regras legais relativas à duração do trabalho.

E ainda mais recentemente tivemos outro exemplo do liberalismo de fachada deste Governo: o Álvaro anunciou que o aumento da electricidade não será de 30% mas muito menos e que em breve divulgará o valor exacto. Então mas não era suposto os preços da electricidade em Portugal serem fixados por um regulador independente, a ERSE? Onde estão, agora, os arautos da independência dos reguladores? Onde estão aqueles que, no passado, se rebelaram por supostas interferências do Governo na fixação do preço da electricidade? Onde estão os “verdadeiros liberais”? Não se encanitam agora com esta intromissão do Governo num domínio claro de intervenção do regulador?

Pois é, liberais quando convém…
    Paulo F.

2 comentários :

Rosa disse...

Eu continuo estupefacta com a "fúria" e a sede de mudança que este governo tem mostrado nestes cem dias...é como se diz neste artigo de opinião:é a técnica do "dar jeito", do servir todos e quaiquer interesses pessoais em detrimento do soberano interesse do Povo português...
E fala esta gente em transparência ...nunca vi tanta trafulhice junta...é forte mas creio ser o termo adequado.

Teófilo M. disse...

Dá-me a sensação que o (des)governo desta mão cheia de arrivistas não tem nada de liberal, mas tem muito de ineficiência, incompetência e desconhecimento