- 'Na antiga Lei de Moisés, a cada meio século era decretado um Jubileu de reconciliação entre os homens, remissão dos pecados e perdão universal: os escravos e os prisioneiros eram libertados e as dívidas eram anuladas. Mas o perdão das dívidas, mesmo que parcial, é hoje estigmatizado como blasfemo por ofender o poder do Dinheiro, deus verdadeiro do mundo contemporâneo.
Note-se que a anulação total ou parcial das dívidas, cancelando simultaneamente ativos e passivos, não afecta a riqueza existente, mas altera a sua distribuição. Porém, ao transferir recursos para aqueles que tem maior propensão a despendê-los, contribui para desbloquear a retoma.
Ainda que os obstáculos políticos a uma tal operação fossem superados, a renegociação caso a caso das dívidas à escala mundial envolveria uma tal complexidade e tomaria tanto tempo que teremos que reconhecer a sua inviabilidade. A solução prática para a desvalorização rápida, progressiva, generalizada e implacável das dívidas é conhecida desde tempos imemoriais e chama-se inflação. Isso consegue-se monetarizando as dívidas dos estados, coisa que, na actual crise, os EUA e o Reino Unido têm vindo a fazer com bons resultados.
Resta, no caso da Europa, uma pequena dificuldade: uma superstição bárbara e irracional proíbe o BCE de comprar directamente títulos da dívida pública nos mercados primários, o que o impossibilita de funcionar como emprestador de última instância – uma singularidade nada invejável do sistema monetário a que estamos amarrados.
Se no tempo de Moisés já houvesse banco central, é provável que a Bíblia lhe recomendasse que agisse como emprestador de última instância em caso de crise financeira adequada. Como os textos sagrados nada dizem a este respeito, resta-nos esperar que, antes da queda no abismo, Mario Draghi se atreva a interpretar de forma ousada o mandato que a União lhe atribuiu, enfrentando, se necessário, a ira dos Nibelungos. Hoje em dia nem é preciso pôr a máquina de fazer notas a funcionar – basta carregar num botão.'
3 comentários :
Conclusão , ou pomos rápidamente o BCE a imprimir moeda ou a Europa inteira não chega ao fim do ano.
Tão simples como isto. Espero sinceramente que os politicos parem de se portar como as crianças da alta finança, que ainda não sairam do jardim de infancia, e retomem o poder que legitimamente os povos lhes deram: o poder politico de actuar em prol das populações que os elegeram.
A Merkla e o Sarkozy não passam de cangalheiros.
Não sei se concordo, mas este texto do João Pinto e Castro faz pensar, o que nos tempos irracionais que correm já é uma singular qualidade.
Não sendo sustentável o caminho atual da Europa e do BCE e podendo não ser justo o tal jubileu de útlimo recurso do Moisés, talvez tanta sabedoria e tanta tecnologia atuais já tivessem a obrigação de ter debravado um caminho intermédio entre estas duas posições extremas.
É esse caminho intermédio, essa cultura do possível e, se não mais justo, pelo menos menos injusto, que está clamorosamente a faltar à nossa época. E que, em contrapartida, foi o caminho que originou tudo o que de mais válido a Civilização ocidental criou no Séc. XX, a saber: a Social-democracia e o Estado Social de Direito (ou Estado-Providência).
Enviar um comentário