- ‘Entrando na análise da substância da proposta orçamental em apreciação, uma primeira constatação surge imediatamente - o Governo vai muito para além do esforço de ajustamento orçamental decorrente da aplicação do memorando acordado com a troika, propondo medidas que relevam de uma opção ideológica assente na crença absoluta no mercado e na desconfiança expressa no papel a desempenhar pelo Estado no domínio social. Esta maioria tem o direito de assumir a sua própria opção doutrinária, não deve é pretender obscurecê-la com recurso ao álibi da dimensão da crise. E é isso que pretende fazer. Como é óbvio seria insensato transformar o teor do acordo estabelecido com a troika numa espécie de santuário intocável, ignorando as dinâmicas económicas e financeiras em curso. O Governo deve empenhar-se em alcançar os objectivos acordados, introduzindo de forma fundamentada as modificações que qualquer alteração conjuntural significativa justifique. Mas o Governo está a fazer uma coisa diferente - aproveita razões conjunturais para concretizar alterações estruturais que radicam numa opção política que aponta para a supressão de uma parte significativa das funções sociais do Estado, a alteração dos equilíbrios até aqui prevalecentes nas relações laborais e numa distribuição pouco equitativa dos sacrifícios pedidos aos portugueses. Esta opção, pelo seu radicalismo, aumenta ainda significativamente os riscos de lançar o país numa espiral recessiva no domínio económico.
Alguns exemplos evidenciam a natureza deste projecto político - o ataque aos funcionários públicos, a desvalorização da escola pública por contraposição com o aumento dos apoios ao ensino privado, a revolução que se pretende promover nos transportes públicos, a proposta de destruição da RTP. Em todas estas diversas áreas o Governo faz acompanhar as suas propostas de um discurso que descodifica o seu verdadeiro património programático. O que se pretende vai muito para além de um ajustamento estrutural e inevitavelmente doloroso da economia portuguesa - avança-se para uma alteração do modelo económico e social no sentido da aproximação aos modelos aplicados em vários países latino-americanos nas décadas de oitenta e noventa. Algumas décadas depois do Chile e da Argentina os filhos dos Chicago boys aterraram em Portugal.’
4 comentários :
Grande Francisco Assis.
Análisa extremamente lúcida e desasssombrada de Assis...
Será que ninguém consegue pôr termo a este ataque liberal(tardio)...nem mesmo a nossa Constituição?
Esse Homem(Francisco Assis) seguramente votaria contra o OE da vergonha e não precisaria de dizer que é uma violência, era de facto o que deveria ser feito porque o que tem de ser tem muito força, mas já vi que é só para alguns!
Se é assim,qual a razão para Assis apoiar a abstenção do PS? Sinceramente, tudo isto me confunde .
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