domingo, novembro 06, 2011

Um despacho que vale (centenas de) milhões (2)



Artigo de João Ramos de Almeida na edição de hoje do Público sobre a tributação dos dividendos das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), matéria já referida aqui:

    Despacho sobre a tributação de dividendos permite a isenção fiscal de milhões de euros

    Há cerca de um ano, o Governo Sócrates agravou a tributação dos dividendos. Mas lei ficou por regulamentar. A 28 de Outubro passado, o Governo PSD/CDS deu esse passo, mas, segundo fontes do PÚBLICO, ao arrepio do parecer do Centro de Estudos Fiscais (CEF) do Ministério das Finanças. Fonte oficial desmente essa discrepância, mas não autoriza o acesso do PÚBLICO a esse parecer.

    Em causa está a antiga questão da tributação dos grupos económicos. Como se evita que o lucro gerado numa sociedade - e transferido sob a forma de dividendos para a sociedade proprietária - não seja duplamente tributado? Esta questão foi-se complicando, quando, nos grupos, se entroncaram sociedades sediadas em zonas fiscais privilegiadas e o Estado começou a tentar evitar o abuso.

    Ao longo do tempo, a lei portuguesa sofreu numerosas alterações. Mas a questão tornou-se incómoda quando, na crise de 2009/10, em plena imposição de sacrifícios, se tornou público o caso da Portugal Telecom. Com a venda da operadora Vivo no Brasil, detido por uma sociedade sediada na Holanda, os grandes accionistas da PT arrecadaram 6 mil milhões de euros isentos de impostos.

    O Governo Sócrates mudou então a lei. Até Dezembro de 2010, metade dos dividendos eram deduzidos ao lucro tributável quando provinham "de lucros que não tenham sido sujeitos a tributação efectiva". E exceptuavam-se as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). Com o OE de 2011, todos os dividendos eram deduzidos só quando proviessem de lucros "sujeitos a tributação efectiva". Pôs-se fim à excepção das SGPS.

    Mas a alteração nunca se aplicou. Era preciso saber o que era "tributação efectiva". Bastava qualquer pagamento de IRC algures na cadeia do grupo? Ou havia um limiar mínimo de imposto? E quem tinha de provar que se realizara a "tributação efectiva"? A DGCI (como até agora) ou o contribuinte? Era caricato, mas sem clarificação, era possível a interpretação de que a aquisição de um carro para um administrador, tributado autonomamente em 3 mil euros, isentava milhões de euros em dividendos.

    Estas dúvidas geraram dezenas de pareceres jurídicos de consultores de escritórios de advogados. A produção de pareceres foi interrompida com o pedido de uma sociedade de advogados para uma informação vinculativa da administração fiscal. Esse pedido motivou, em Abril passado, uma nota da Direcção de Serviços de IRC. Mas o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), Sérgio Vasques, não tomou qualquer decisão.

    A 21 de Junho de 2011, o actual Governo tomou posse. Para SEAF, foi escolhido Paulo Núncio (na foto), um militante do CDS de longa data, fiscalista e sócio da sociedade de advogados Garrigues. Segundo fonte do PÚBLICO, muitos dos seus clientes confrontavam-se com a mesma interrogação dos grupos económicos. Em público, o advogado Paulo Núncio tinha defendido que as alterações do OE 2001 eram "bastante gravosas para as empresas" porque provocavam um "agravamento significativo de tributação". Nomeadamente a distribuição de dividendos, que poderia passar "de uma de situações de não tributação ou de isenção, para tributações que podem atingir os 29 por cento».

    O actual SEAF Paulo Núncio remeteu o caso para o Centro de Estudos Fiscais, o qual produziu o parecer 26/2011. Segundo informação recolhida, o parecer terá apontado para um limiar mínimo de tributação e para a obrigação de quem evocasse a dedução dos dividendos de provar que fora tributado. Não é possível confirmar esta informação porque o Ministério das Finanças não deu acesso ao parecer, pedido pelo PÚBLICO.

    À questão do PÚBLICO se o SEAF tivera clientes que poderiam beneficiar com o seu despacho, a resposta foi: "O SEAF não é advogado, tendo suspendido a sua actividade como advogado antes da entrada no Governo. A pergunta é totalmente descabida e não tem qualquer fundamento".

    O despacho veio ao encontro do pretendido pelos grupos, como frisa o fiscalista Rogério Fernandes Ferreira (ver caixa). "O referido despacho adoptou uma interpretação menos restritiva do que aquela que se temia", afirma. O ex-secretário de Estado Sérgio Vasques considera que "vai ter um grande impacto", prejudicando o combate à fraude e evasão fiscal. O PÚBLICO questionou-o por que não despachara em tempo, sem deixar o assunto para o seu sucessor. Vasques não respondeu e prometeu comentar quando conhecesse o parecer técnico.

1 comentário :

Anónimo disse...

Bastava perceber quem na sombra apoiava o PSD durante a campanha para as eleições, para se perceber que esta lei não ia passar. Alguém que tem o apoio dos empresários que mais fogem ao fisco em peso, nunca poderia colocar essa pouca vergonha na ordem. Quem pensou que desta é que era foi comido como um pato, temos pena.