Paulo Portas ao comentar na RTP o vídeo com as declarações truncadas de Sócrates esteve ao seu melhor nível - que é sempre quando exibe o pior da sua personalidade política. O episódio recordou-me uma fábula que me parece muito apropriada e até de fácil compreensão por uma coligação ainda tão jovem:
- Era uma vez um escorpião que se deparou com um rio... precisava de se deslocar para a outra margem, mas não tinha como, não sabia nadar. Encontrou uma rã…Podes transportar-me até à outra margem? Preciso de lá chegar! A rã: mas tu és um escorpião, como posso confiar em ti? O escorpião: Podes confiar, nada te acontecerá, preciso de ti para chegar à outra margem.
A rã decidiu confiar e o escorpião saltou para as suas costas e lá foram para a outra margem. A meio da viagem o escorpião espeta o ferrão na rã.
A rã: Porque fizeste isto?
O escorpião: - Está na minha natureza, sou assim...
Até ao momento em que … o que querem. Está na minha natureza, sou assim…
- Afonso
5 comentários :
Não vi o Portinholas, que tem andado submergido nos seus afazeres, emergir na RTP, mas vi o Conselheiro Imperial Jabba the Hut na SIC Notícias e achei tudo aquilo fascinante.
Para começar, não parece ter percebido que nunca o malvado Sócrates disse que as dívidas não eram para pagar. Só, como diria o Keynes ou o Krugman ou quem mais quiserem, que *a dívida* era para manter e incentivar porque pode dar saúde às economias débeis. Discordando em princípio dessa posição, não posso deixar de notar que a parte que mais me interessa não é essa. Não é José Sócrates como modelo de governante ou de economista, embora tenda a considerá-lo bastantes furos acima da maioria dos nossos governantes das últimas décadas. É o Sócrates como modelo de pimpampum de propaganda para servir de pára-raios / bode expiatório de quem ocupa o poder nos tempos que correm. Isso é que é interessante.
Pensem nisto: por que raio de razão é que continuam a andar atrás dele com câmaras clandestinas?
Receptores passivos da propaganda suja, da ligeireza na retransmissão da calúnia, do assassinato de carácter, da pulhice dos bufos, ainda por cima mentirosos, prestem atenção, porque são os dinheiritos dos vossos potes que estão a ser sugados AGORA, à sombra dos pecados do malvado Sócrates.
É o fascinante mundo da psicologia humana: é preciso que os pretéritos sejam tão maus, tão maus, que agora até os verdadeiros malfeitores pareçam bons...
Dados sobre a dívida portuguesa em % do PIB (GDP):
1) Vejam aqui, logo na fig. 1, o crescimento da dívida em % PIB entre 2000 e 2010. Tenham em conta que os governos são:
-- Guterres ate' 2002
-- Barroso 2002 a 2004
-- Santana 2004 a 2005
-- Sócrates 2005 a 2011
Duas coisas se notam: primeiro o notável crescimento da dívida em % PIB nos últimos anos, mas também uma relativa constância da derivada do crescimento ao longo de todo o período, antes e depois de 2005. De qualquer modo, como foi Sócrates que ocupou o poder entre 2005 e 2011, parece razoável culpar o grande malandro pelo endividamento desses anos, coisa quase única em todo o mundo, cheeeerto? [pronúncia de Dra. Rute Remédios]
2) Vejamos então, comparando com alguns «restos do mundo» através deste infograma do Economist. Escolha-se a opção "Total Debt as % of GDP" e comparem-se as percentagens de 2005 e 2010 (ou 2011 se preferirem; dá no mesmo) de países à escolha com as de Portugal. Por exemplo:
[1ª coluna: 2005 / 2ª coluna: 2010]
POR -- 62,2% -- 82,4%
ESP -- 43,8% -- 61,1%
FRA -- 66,0% -- 82,1%
ING -- 42,1% -- 74,8%
EUA -- 37,2% -- 61,2%
RFA -- 67,6% -- 75,4%
A partir daqui, calcule-se o crescimento da "Total Debt as % of GDP" entre 2005 e 2010:
POR -- 32%
ESP -- 39%
FRA -- 24%
ING -- 78%
EUA -- 65%
RFA -- 12%
Escolham-se outras opções (por exemplo: Total Annual Debt Change) e comparações com outros países da esfera ocidental, ao gosto do freguês, e perca-se algum tempo a ponderar os dados com calma, em vez de se salivar aos cantos da boca enquanto se rilham os dentes e se murmura guturalmente «malvado, malvado Sócrates»...
Surpresa, surpresa.., afinal os governos Sócrates não foram nada originais porque o mal foi endémico. Bom, mas então, se a má filosofia económico-financeira é tão geral, por que é que Portugal é que levou com as reformas instantâneas e compulsivas à la Troika, não tendo conseguido acompanhar o plano inclinado em que resvalam mais suavemente os outros meninos?
Sugestões para que cada um tire conclusões por si: uma oposição anti-gorduras hostil a reformas... PEC IV chumbado... disparo dos ratings (compare-se com a forma como a Espanha, onde a oposição apoiava as reformas e pedia mais e não menos, cedeu o seu lugar como alvo à Itália em permanente dissensão)... estratégia das reformas progressivas (PEC a PEC se necessário) sabotada... governo minoritário rasteirado a cada esquina... promessas pré-eleitorais da oposição surrealisticamente mentirosas... intolerável sede do pote... etcetera...
Ou então, se preferirem: Mentira! Mentira! Está tudo errado! Os números mentem! O Sócrates é mau, pim! O Sócrates corrompeu o Economist, pum! Foi o malandro do Sócrates! Só pode ter sido o Sócrates!
A finalidade da propaganda sem escrúpulos é impedir de pensar. O seu sucesso mede-se pelo impacto emocional, pelo curto-circuito mental que provoca. É nessa medida que se tenta a todo o custo manter o mito da dívida inaudita de Sócrates para além de tudo o que é razoável, distraindo o país do que lhe está a acontecer. O que se pretende é que sempre que nova patifaria seja cometida, se pense «culpa do Sócrates!» em reflexo condicionado, mas não vai ser possível manter essa ilusão absurda para sempre.
Correcção: em vez de usar uma razão de uma razão para comparar, faz mais sentido comparar o aumento simples em pontos percentuais, o que não traz alteração de monta às conclusões.
Portanto, aumento da dívida em pontos percentuais do GDP entre 2005 e 2010:
POR -- +20.2%
ESP -- +17.3%
FRA -- +16.1%
ING -- +32.1%
EUA -- +24.0%
RFA -- +7.8%
«declarações truncadas».
Admito que sim. E até compreendo o sentido das declarações do «especialista».
Mas quando a Ferreira Leite, com eronia, falou em «suspender a democracia por seis meses», nesta casa ninguém se preocupou em interpretar as suas palavras. Foram todos, estupidamente, pelo seu sentido literal e tudo serviu para a atacar.
Agora estão a provar do próprio veneno.
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