sábado, setembro 22, 2012

“Nós fizemos tudo. Para obter este resultado, por amor de Deus, isto não é nada.”


João Ferreira do Amaral é hoje entrevistado pelo i. Uma entrevista em que explica o que está em causa na economia portuguesa. A ler — a ler e guardar. Eis um extracto:
    A medida pretende substituir o efeito de uma desvalorização cambial. O primeiro-ministro comparou-a com a desvalorização cambial feita com o FMI no programa de 1983. A medida é um substituto?
    Não é um substituto da desvalorização cambial, isso é um erro comum. Tentar substituir uma desvalorização cambial por uma medida de redução de salários é um erro, aliás, destes programas de estabilização com a troika. As medidas têm consequências diferentes. O primeiro-ministro fez alguma confusão entre desvalorização cambial e queda do nível de vida. A desvalorização cambial no programa de 1983 foi da ordem dos 20%, mas a queda dos salários reais não chegou a 8%. Uma coisa é a moeda desvalorizar-se, outra é o nível de vida baixar. É falso dizer que, nesse caso, o nível de vida desceu 20%. Os salários reais desceram cerca de 8%, o que é bastante menos do que será se a medida da TSU for para diante.

    Não é o mesmo em termos de impacto no rendimento e de efeito na economia?
    A medida da TSU não é a mesma coisa que a desvalorização cambial por várias razões. Em primeiro lugar porque a redução salarial é a mesma para todos os sectores e não privilegia os bens transaccionáveis. Por isso é muito pouco eficiente. Nas exportações o peso directo e indirecto dos salários – directamente dos sectores exportadores, mais o peso dos sectores que produzem bens para os sectores exportadores – é da ordem dos 30%. Uma descida de menos de 6% da Taxa Social Única [5,75%] não chega a 1,8% de melhoria de competitividade, o que é irrisório. Porquê? Porque essa descida é distribuída por todos os sectores e como tal o impacto nos sectores de bens transaccionáveis é pequeno. A desvalorização cambial, pelo contrário, incide sobre bens transaccionáveis. É uma espécie de subsídio que se dá a esses sectores no imediato e é um bom incentivo para os empresários investirem nesse tipo de sectores. Em segundo lugar também são diferentes os efeitos sobre a riqueza: quando há uma desvalorização cambial todos sofrem em relação ao exterior uma desvalorização, quer nos rendimentos do trabalho, quer nos outros, incluindo o próprio património. Aqui não: todo o ajustamento cai sobre os salários.

    Falou de uma queda de 8% dos salários reais em 1983 na sequência de desvalorização cambial – como compara com a medida hoje em discussão?
    Se os salários descessem 7% – que na realidade é um pouco mais – e se somarmos o efeito preços – 2% a 3% de inflação – iríamos aos 10% de perda de salário real. É mais do que em todo o programa de ajustamento de 1983/84. Com a agravante de não resolver nada. E com a agravante adicional, muito pouco discutida, de que uma desvalorização do rendimento das famílias é muito perigosa em termos de equilíbrio financeiro porque as famílias estão muito endividadas, coisa que não se via em 1983. Se estamos a reduzir drasticamente o rendimento das famílias – e isso já se notou no caso dos funcionários públicos – estamos a aumentar muito as condições para o incumprimento, além de criarmos um problema social muito grave. Outro dos erros destes programas de estabilização é não terem em conta o que chamamos efeito riqueza negativo. As famílias estão muito endividadas o que leva a que qualquer descida de rendimento se amplifique muito mais no consumo.

4 comentários :

Lucas Galuxo disse...

Continuo a achar que se este senhor tivesse sido ministro das finanças ou governador do Banco de Portugal por mais do que um mandato, nos últimos 20 anos, não teríamos caído no buraco em que caímos.

João Miguel Neves disse...

Alguém me explica como é que inflação de mais de 24% em 1983 e 1984 afectaram menos o poder de compra?

Mão disse...

Havia aumentos salariais mais ou menos (mais para menos do que para mais, mas enfim...) indexados à inflação (que chegou, se bem me lembro, à casa dos trinta por cento) e havia, claro, a possibilidade de imprimir moeda, o que fazia com que a liquidez não fosse o problema que é hoje...

Anónimo disse...



Exacto.


Para além de que os juros de depósitos a prazo rondavam os 18%, no mínimo. E quase dez por cento nos depósitos à ordem, claro.


Ass.: um Contribuinte desde 1984.