segunda-feira, setembro 24, 2012

Um pingo doce no Estado Novo

Quanto mais avança o debate sobre a História de Portugal de Rui Ramos, que o Expresso transformou em fascículos para poder brindar os seus leitores ao longo do Verão, mais claro fica que há dois campos distintos na apreciação da obra: de um lado, os amigos do Pingo Doce e um interessado nas aparições de Fátima; de outro lado, na sua maioria historiadores consagrados, independentemente das suas opções políticas e ideológicas.

Na quinta-feira, dia 20, o Público trazia um artigo de Luís Reis Torgal e, hoje, um outro de Dalila Cabrita Mateus. Vale a pena transcrever extractos de ambos os artigos.

Eis uma passagem do artigo de Luís Reis Torgal:
    ‘No suplemento Actual do Expresso (24 de Julho de 2010), Rui Ramos escreveu, nos quarenta anos da morte de Salazar, um artigo de fundo sobre o ditador, que praticamente começa assim: "O problema está em que, se quisermos ser exactos, teremos de admitir que foi precisamente com Salazar que Portugal começou a ser menos pobre, menos analfabeto e mais europeu". Chavões deste tipo, com afirmações de meias verdades não contextualizadas, tornam a divulgação tendenciosa. O mesmo se dirá da afirmação, pura e simples: "O Estado Social em Portugal foi salazarista antes de ser democrático". Quanto à repressão, apesar de Ramos concordar que Salazar, quando queria, "podia ser implacável", o que fica no leitor é outro chavão: "Quando comparamos a ditadura salazarista com as suas contemporâneas, a contabilidade repressiva é modesta". No que se refere ao colonialismo, afirma aquilo que se poderia dizer de outra maneira e com outra contextualização explicativa, sem o efeito de frases que constituíam verdadeiros "slogans de propaganda": "O colonialismo não começou com Salazar. Liberais e republicanos tinham viabilizado as colónias, submetendo as populações ao trabalho forçado administrado pelo Estado". E, a terminar o artigo, bem redigido - a boa escrita e a boa comunicação oral são dois factores, por paradoxal que pareça, muito perigosos na dita "divulgação da História" -, escreve, simplificando e dando um tom de ficção literária à sua escrita: "Numa quinta-feira de céu cinzento, a 25 de Abril de 1974, tudo foi derrubado como um cenário de papelão. Nenhum movimento político importante reivindicou, desde então, as ideias de Salazar. Em 2007, a sua vitória num concurso televisivo foi mais um sinal de iconoclastia, contra o velho antifascismo oficial, do que de saudosismo. Falamos dele, mas é isso: falamos. Valem-lhe os antifascistas para o conservar ameaçadoramente "vivo". Terá ele imaginado este fiasco final? Nos seus últimos anos de vida, entre 1968 e 1970, não lhe disseram que fora substituído no Governo, mas, como notou Adriano Moreira, ele também não perguntou. Nunca quis saber o resto da história".’

E uma passagem do artigo de Dalila Cabrita Mateus:
    ‘O historiador Rui Ramos, na parte da História de Portugal que redigiu, alinha abertamente com aqueles que procuram, ainda hoje, criar a ideia de que a guerra colonial era justa e "sustentável ad eternum", estando praticamente ganha, não fora o "trágico" obstáculo do 25 de Abril. Afirma, pois, que "a situação militar não era dramática".

    A conclusão passa por cima de tudo o que foi dito pelos responsáveis máximos do país, no plano político e militar: Marcelo Caetano, o chefe do Governo, e Costa Gomes, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. E até passa ao lado da opinião da própria PIDE, nó central da teia de informações estratégicas e sua componente essencial. Estes reconheciam que a guerra estava perdida na Guiné. Em Moçambique, diziam que a situação militar se agravava de dia para dia, antevendo também o colapso. E afirmavam que apenas em Angola se vivia numa situação transitória de aparente sossego. Mais reconheciam que os meios bélicos e, sobretudo, os recursos humanos começavam a faltar e que os militares tinham chegado ao fim da sua resistência física e moral.

    Além disso e tal como outros, partindo de dados de significado discutível ou até de ficções, Ramos exalta a política e as realizações do Estado Novo, pois a situação económica, financeira e social do país era a melhor, tendo tão magnífico legado sido desbaratado pela revolução. "Nunca se vivera tão bem em Portugal, com pleno emprego, subida de salários e expansão do Estado social", afirma. ‘

Pode Rui Ramos continuar em silêncio?

1 comentário :

Porfirio Silva disse...

Se há coisa que Rui Ramos não tem estado nesta polémica é em silêncio.