domingo, outubro 14, 2012

Acta do Conselho de Ministros da próxima segunda-feira

Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb

A fazer fé nos jornais de ontem e de hoje, o Governo já não está partido em dois: estilhaçou-se. A um canto, temos o ministro das Finanças — e Passos Coelho, fascinado com as derivadas dos modelos de Gaspar; a um outro canto, os chamados ministros “independentes”, cujo porta-voz é Paulo Macedo, alçado a expert fiscal, comprovando que, no reino dos cegos, quem tem um olho é rei; ao lado, a quota mendista, que também aparenta ter sempre coisas para dizer, muito embora ninguém perceba exactamente o quê; o próprio Dr. Relvas anda por ali angustiado a murmurar que assim não lhe dão tempo para fazer as privatizações; e Portas, “cujas intervenções provocaram incómodo no ministro das Finanças”, continua a saltitar entre os pingos da chuva, seguido pelos seus dois funcionários no Governo.

Com a displicência de quem pode regressar à burocracia europeia quando lhe aprouver, Vítor Gaspar partiu para uns dias de repouso em Tóquio nas vésperas de apresentação do Orçamento do Estado, não sem antes ter deixado a todos estes cábulas um trabalho de casa para o fim-de-semana: “Encontrem gorduras no Estado se não querem que eu lance a bomba atómica.”

Não é uma tarefa difícil imaginar o que irá ocorrer no Conselho de Ministros extraordinário de segunda-feira. Enquanto Passos Coelho poderá aproveitar o tempo para ir completando o inventário dos bens abusivamente utilizados por uma das suas 11 secretárias pessoais em São Bento, Vítor Gaspar insta, pausadamente, os seus ministros a lerem, em voz alta, as façanhas que constam dos trabalhos de casa:
    Álvaro: “Posso ser eu a começar? Estive a ver com atenção os números do desemprego e concluí que os subsídios ainda são suficientemente estimulantes para que essa malandragem prefira andar a passear do que a trabalhar. Vou reduzi-los ainda mais e estou a pensar mesmo eliminá-los se esses indolentes persistirem na mandriagem. Por outro lado, proponho a suspensão da actividade da Carris até ao termo do programa de ajustamento e, para não ser acusado de falta de equidade, ou lá como isso se diz, já mandei elaborar um despacho para manter também a frota dos SCTP nas oficinas.”

    Dr. Cassola Relvas: “Eu não posso cortar os apoios à juventude e aos nossos autarcas, porque vêm aí as eleições e é preciso gente para colar cartazes. Mas tenho uma proposta alternativa a fazer pelo lado da receita: dêem-me carta-branca para fazer ajustes directos que eu até privatizo as pedras das calçadas, não sem antes concessionar temporariamente tudo para tornear as mariquices do Eurostat.”

    Nuno Crato: “Sendo a crise uma oportunidade, é altura de darmos o passo que falta: o fecho das escolas públicas. Assim, quem tiver condições, inscreve-se num colégio particular; a quem não puder, abrimos de par em par as portas do ensino profissional. Já a minha avó dizia que é de pequenino que se torce o penino. Se fizermos isto, até poderemos aumentar ligeiramente a dotação que é dada às escolas do ensino particular.”

    Aguiar Branco: “Tal como queremos parecer um bom aluno junto da União Europeia, também não posso aceitar que renunciemos a participar nas missões da NATO na Bósnia e no Afeganistão. Porém, num momento de rara inspiração, encontrei uma solução para reduzir drasticamente a factura das Forças Armadas — e não, não é fazer um aluguer de longa duração para o Arpão e o Tridente. Estão preparados? Então, é assim: a troco de uma contribuição simbólica, confiarmos à Brigada de Infantaria Mecanizada “Extremadura” XI, localizada em Badajoz, a defesa do país, podendo assim acabar com o ramo do Exército. Alguém se opõe?”

    Mota Soares: “Cá por mim, o RSI vai à vida de uma vez por todas. E os apoios sociais em geral serão substituídos por refeições ligeiras nas misericórdias, para o que já aqui tenho na pasta um projecto de protocolo a aprovar quanto antes. Escusado será dizer que o Ministério, por dever patriótico, continuará a dar ordens para que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social não deixe de comprar dívida pública, assim credibilizando o país perante os credores externos.”

    Assunção Cristas: “Começo por recordar que fui o primeiro membro do Governo a fazer uma reforma estrutural: a abolição do uso da gravata. Não tendo eu tempo para me dedicar aos assuntos do Território e do Mar, proponho que estas pastas sejam eliminadas da orgânica do Governo, entregando-as à iniciativa privada num projecto-piloto.”

    Paula Teixeira da Cruz: “Refiz o mapa judiciário, dispondo-me a mandar encerrar todos os tribunais fora das capitais de distrito. No entanto, porque quero ser lembrada como mais uma amante do Ministério Público, entendo que deverá ser criado um DIAP em cada esquadra do país.”

    Miguel Macedo: “O meu plano consiste em colocarmos no regime de mobilidade especial todos os agentes da PSP e da GNR com mais de 50 anos, o que os levará a pedir a aposentação. A partir de então, quem quiser segurança, paga-a. Não foi o Senhor Eng. Ângelo Correia que no nosso projecto de alteração da Constituição da República incluiu uma norma que permitiria às empresas de segurança privada a possibilidade de revistar cidadãos em locais públicos? Esse é o caminho que deveremos trilhar e aprofundar para manter a segurança de pessoas e bens. Que ninguém se atreva a pensar que se pretende acabar com as polícias, até porque não me esqueço que os corpos policiais estão incumbidos de proteger os membros do Governo.”

    Paulo Macedo: “Não quero ser recordado como o ministro da Saúde que fez regredir a esperança de vida em Portugal. Com todos os cortes que já fiz no Serviço Nacional de Saúde, só me resta parafrasear um político que tem andado pouco aparecido: «Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos doentes.»”

    Paulo Portas: “Se me perguntam se quero cortar nas despesas? Claro que quero. Se me perguntam se eu tenho uma opinião diferente? Tenho uma opinião diferente. Se me perguntam se eu defendo que há outros caminhos. Defendo um outro caminho: a devastação da Função Pública, porque essa não é a minha praia.”

6 comentários :

james disse...

O Conselho de Ministros de amanhã não será muito diferente deste aqui antecipado.

Parabéns pelo post.

Olimpico disse...


Só falta ter em atenção, os resultados das eleições nos Açores.
NO seu discurso de assumir responsabilidades, PAULO PORTAS, foi Inigmático.... digo eu.

Anónimo disse...

O Correio da Manhã parece que ainda não ouviu falar da Tecnoqualquercoisa...

Ainda não está na agenda das fugas ao segredo de justiça... uma questão de fidelidade à agenda das fontes...

Fernando Romano disse...

Parabens pelo momento brechtiano. Fez-me lembrar o "Santa Joana dos Matadouros" de B.Brecht- se é que conhece a peça.

Anónimo disse...

a ida do gaspar ao japão no momento crítico do orçamento é qualquer coisa de profundamente amador mas ao mesmo tempo demonstra o seu complexo de superioridade. o país entregou-se, por acção da comunicação social, a um bando de inaptos.

Rosa disse...




Ao Japão fazer o quê? Este homenzinho "está mesmo a gozar connosco"!
Já se ultrapassaram todos os limites...será que ninguém entende??
Excelente "previsão", Miguel!