segunda-feira, janeiro 21, 2013

O relatório do FMI e as pensões

Pedro Marques, deputado do PS, no Facebook sobre O RELATÓRIO DO FMI E AS PENSÕES:
    'Este relatório apresenta uma visão errada do Estado Social, pois só admite um Estado Social caritativo, dirigido aos pobres, e não um Estado social de direitos sociais, dirigido a, e financiado por, todos os portugueses, em particular as classes médias. Mas é ainda mais errado, porque o pressuposto da necessidade de um corte de 4 mil milhões, que está subjacente a este relatório, é errado, pois só levará a mais recessão e injustiças.

    O relatório, pedido e realizado com a colaboração do Governo, veio dividir ainda mais a sociedade portuguesa, e a própria coligação, pelo que o próprio pressuposto de consenso necessário à reforma do Estado foi erodido pela conduta e escolhas políticas do Governo.

    Quanto ao sistema de pensões, o próprio relatório afirma a sustentabilidade do nosso sistema de pensões. As dificuldades conjunturais foram geradas pela recessão provocada em grande medida pelas políticas deste Governo ,que só seria agravada por este corte de 4 mil milhões, degradando ainda mais a situação conjuntural da Segurança Social.

    A ideia de um sistema de pensões que protege pouco os mais pobres é errada, pois a pobreza dos idosos em Portugal reduziu-se de 38% para 20% em 15 anos, fruto da melhoria do sistema de prestações, em particular as pensões. A ideia de que o sistema é generoso em termos de pensões médias é tb errada. A OCDE, com quem o Governo também se vai aconselhar, indicou no relatório de referência Pensions at a Glance, que a taxa de substituição líquida de salários por pensões (indicador mais utilizado para comparação internacional) é de cerca de 70%, exatamente a média da própria OCDE.

    Outra das medidas de “injustiça” do nosso sistema de pensões apresentada neste relatório, e a mais citada pelo PM, é aquela que refere que os 20% mais ricos do país recebem 33% das transferências sociais. Acontece que isso decorre em boa medida da natureza previdencial do nosso sistema de pensões. Ainda assim, refira-se que, de modo inovador na Europa, e a partir de 2002, uma reforma do Governo PS de então passou a garantir taxas de formação de pensões maiores a salários mais baixos, mesmo no regime previdencial.

    O facto de a percentagem de transferências dirigida aos rendimentos mais elevados ser um pouco maior que a média europeia decorre apenas de uma desigualdade relativa maior nos rendimentos primários , que são sobretudo os rendimentos de trabalho. Essa desigualdade primária só se pode resolver de modo gradual, através do aumento generalizado das qualificações, que aliás as propostas do FMI tb põe em causa.

    Mas o que interessa avaliar, para medir a equidade relativa do nosso sistema de transferências e tributação dos rendimentos, é como evoluem as desigualdades quando passamos dos rendimentos de trabalho para os rendimentos disponíveis, após tributação e transferências.

    Aí, Portugal reduz 24% as desigualdades (medidas pelo mais utilizado Índice de Gini, sendo a média da OCDE de 25%), o que demonstra que o Estado social é fortemente corretor das desigualdades. Mas se considerarmos o efeito das designadas transferências em espécie, então igualamos a média da OCDE, pois através da educação e saúde reduzimos adicionalmente em 21% as desigualdades, sendo a média da OCDE de 20%.

    Registe-se que isto nem sempre foi assim, pois Portugal foi o país que reduziu mais desde 1995 as desigualdades de acordo com os indicadores do Eurostat. Temos, pois ,que concluir, que se fez um caminho importante na redução das desigualdades, até nos aproximarmos significativamente da média da OCDE, apesar de um ponto de partida muito negativo.

    O relatório é também enganador quando refere que a recente reforma da segurança social não afetou a situação dos atuais e anteriores pensionistas, penalizando apenas os futuros pensionistas, pois ignorou totalmente o facto de pela primeira vez as pensões passarem a ter regras de atualização mais restritivas (passou a considerar-se apenas a inflação, e durante o programa de assistência, apenas se verifica atualização nominal reduzida das pensões mínimas, todas as outras congeladas). Trata-se da medida mais poderosa em ordem a obter o contributo dos atuais pensionistas para a sustentabilidade da segurança social e das pensões.

    Comento de seguida algumas das áreas de proposta mais erradas.

    O corte retroativo de pensões, é errado, pois para além de certamente inconstitucional, é profundamente errado do ponto de vista social (veja-se que o FMI se diz preocupado com a pobreza dos idosos e depois propõe cortar 15% as pensões acima da pensão mínima). E além do mais seria gravemente recessivo, pois as verbas pagas aos pensionistas são de modo esmagador afetas a consumo, e por isso um corte destas pensões diminuiria diretamente o produto e própria arrecadação de receitas fiscais.

    O aumento proposto da idade legal de reforma é uma medida errada, pois afeta a confiança dos cidadãos no sistema de segurança social, em particular das gerações mais próximas da reforma, e porque Portugal já fez uma reforma que aumentou de forma gradual e com forte consenso social a idade de acesso a uma pensão completa. Essa referência é hoje de 65 anos e 5 meses, quando os países mais citados, como Alemanha, Holanda, Finlândia ou Espanha, estão muito atrasados, e só começaram a ajustar a idade de reforma à evolução da esperança de vida de modo gradual nos dois últimos anos, ou mesmo em 2013,, a um ritmo de um mês por ano. Além do mais, na situação atual do mercado de trabalho, um aumento imediato de um ano da idade de reforma traduzir-se-ia num aumento do desemprego jovem em cerca de 100.000 novos desempregados, pois as empresas não teriam nenhuma capacidade de manter nos seus quadros por mais um ano os trabalhadores que deixariam de se poder reformar, e ainda manter os trabalhadores jovens ou contratar outros que habitualmente substituem os que se reformam.

    As propostas de novos cortes de duração e valor do subsídio de desemprego, no atual contexto do mercado de trabalho português, como se mais de 800.000 desempregados (uma grande parte sem prestações sociais) não queiram aceitar os “muitos” empregos disponíveis, devido à generosidade dos subsídios de desemprego, é tão disparatada, que nem merece comentário. Regista-se que as comparações feitas ignoram quase sempre as recentes reformas, que estavam previstas no memorando e que já nos aproximaram muito dos valores de referência europeus. Querer reduzir ao fim de 10 meses a prestação para cerca de 400 Euros, a pessoas que possam ter tido anteriormente vencimentos de 1500, 2000Euros, ou até valores superiores, é querer mudar totalmente a natureza do sistema de segurança social, querer destruir o seu caráter previdencial, é querer dar passos, como nas pensões tb se denota, para um sistema de segurança social de mínimos, para generalizar a pobreza na sociedade portuguesa.

    Em geral, existem neste relatório muitas propostas erradas, e são mais erradas aquelas que não têm qualquer preocupação de equidade relativa, apenas agravam a recessão e destroem a estrutura de direitos sociais no nosso modelo social.'

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