quarta-feira, março 13, 2013

"O homem é ressentido e rancoroso"

• Baptista-Bastos, Vinte páginas inúteis:
    ‘Um alvoroço de artigos, crónicas, comentários, depoimentos acolheu o prefácio que o dr. Cavaco apôs ao sétimo volume de Roteiros, singular colecção de trivialidades pretendidamente políticas, e não, como o título sugere, itinerário turístico. Quase todos os preopinantes manifestaram perplexidade porque o autor nada dizia de novo. Estranha conclusão. O homem é o que é: um medíocre brunido, formal e liso. Com penosa disposição li o texto, porque o alarido a tal me impelia. Os habituais tropeços nas preposições, o confuso desalinho com as adversativas, e a ausência total de qualquer ideia. O costume da banalidade, elevado à nobre condição de "tema." Apenas me surpreendeu que tanta gente se sobressaltasse com o chorrilho de bagatelas, e que alguma dessa gente lobrigasse uma grave advertência ao Governo e uma crítica furtiva a Passos Coelho. As vinte páginas do extraordinário texto são o retrato (haja Freud e a nossa paciência!) da insólita personagem que nos coube na vida. Custa-me dizer isto: mas o dr. Cavaco, o que diz e o que não diz, e não faz, estão longe de poder ser levados a sério. Ele, os seus silêncios e as suas evasivas são cúmplices do que nos acontece, desde que foi primeiro-ministro. E a impunidade de que goza é paralela à imensa vaidade que não consegue dissimular com a exposta modéstia grotescamente teatral.

    O homem é ressentido e rancoroso. O assento que fez com Sócrates e, antes disso, a cilada que montou a Fernando Nogueira, para não aludir, entre outras mais, muitas mais, ao desprezo disfarçado a Santana Lopes, mas suficientemente perceptível para que o próprio percebesse e os outros pressentissem, são características de uma índole embotada.Mesmo Pedro Passos Coelho, com quem teve algumas embirrações, era este um convulsivo dirigente da "jota", mesmo esse tem de se acautelar. E os esgares, feitos sorrisos, com que o dr. Cavaco, o recebe e conversa são máscaras da mais vil duplicidade. Lembro aos distraídos a afabilidade, quase doçura com que recebe Paulo Portas, o qual, quando director de O Independente, conduziu sangrenta campanha jornalística contra o cavaquismo, que levou ao descrédito da doutrina e à queda do seu mentor.’

1 comentário :

Leitor ávido de substância disse...



Bonito texto, sem dúvida, e pertinente, mas claramente insuficiente.


Chamar "assento" ao que o ressentido e rancoroso medíocre fez com Sócrates é manifestamente frouxo. E comparar esse acontecimento determinante para a nossa História recente - apenas a pior tragédia que ocorreu em Portugal desde o Inverno de 1961 - com o picaresco e irrelevante episódio do Fernando Nogueira (quem foi?) e com a patada que deu num coxo como o Santana revela uma incapacidade de destrinçar entre a nota de quinhentos e a moeda de cinco cêntimos que confrange num vulto respeitável como de BB.