segunda-feira, março 11, 2013

Sócrates

• António Correia de Campos, O bode expiatório [hoje no Público]:
    ‘Todas as sociedades tiveram o seu bode expiatório. O dia da expiação era um ritual para purificação da nação de Israel. Para a cerimónia, eram levados dois bodes, um deles era sacrificado e o outro, o bode expiatório, era tocado na cabeça, pelo sacerdote, que confessava os pecados dos israelitas e o enviava para o deserto, onde todos os pecados eram aniquilados.

    Para a direita nacional e sobretudo para a comunicação social que o temia, por imprevisível, Sócrates é o bode expiatório ideal. Está ausente, não pode falar sem provocar mais ruído que o já criado, dedica-se a coisas aparentemente esotéricas como a filosofia política, os seus apoiantes reduzidos a um quadrado defensivo. Ainda por cima, o partido que dirigiu com mão forte durante meia dúzia de anos esteve longe de se dispor a defendê-lo, com isso deixando-se também cair num fojo. Os sinais recentes de reunião podem aqui ajudar ao exorcismo clarificador. Até que tal suceda, os clarins da direita infrene espreitam a mais ténue imagem, escutam o mais vago rumor de movimento do visado.

    Certamente não deixariam passar em claro que o seu antigo e temido adversário de estimação emergisse da clandestinidade. O que quer que fosse o que fizesse, o emprego que aceitasse ou a que aspirasse, tudo seria objecto de inquisitória perseguição sob a forma de suposta investigação jornalística. Acontece que Sócrates aceitou funções de representação internacional de um laboratório suíço intervindo na área do sangue e seus derivados, com a reserva de o trabalho ser fora do país. Toda a sanha se projectou sobre o desempenho dessa empresa, entre nós, no tempo de Sócrates. Descobriu-se, pasme-se, que a empresa era um dos poucos fornecedores activos nos concursos centralizados que a Saúde então organizava. A passagem de centralizado a disperso, proposta pelos serviços competentes, parece racional. Mas tendo sido executada no seu tempo, todas as razões são boas para gerar suspeição e insídia. Tal como aconteceria se o processo fosse o oposto: a passagem de concursos descentralizados a centralizados, talvez até com agravada desconfiança.

    Faça Sócrates o que fizer, será sempre ele a turvar a água que o lobo pretende beber. Ele ou alguém por ele. A sua única sorte é não ter sido ele tomado como o outro bode, o que sofreu sacrifício imediato. Assim, como refere a antiga cultura, ele foi apenas tocado na cabeça e mandado para o deserto.’

3 comentários :

fernando romano disse...

Correia de Campos produziu um excelente e oportuno escrito acusatório.

Mas os destinatários, sabemos, não se envergonharão.

Nem mesmo aqueles visados nestas palavras:

"Ainda por cima, o partido que dirigiu com mão forte durante meia dúzia de anos esteve longe de se dispor a defendê-lo, com isso deixando-se também cair num fojo."

E são estes que mais nojo e repulsa me causam.

José Sócrates não saíu pela porta da derrota, como todos os visados no artigo esperavam.

Ana Elisa disse...

Socrates foi afastado para dar lugar a um outro marioneta destas instituições internacionais que saqueam o país? eu penso que sim, mas isso quereria dizer que ele tem o seu qauê de integridade... que eu desconfio ser verdade. que me tem a dzer?

Sebastião José disse...



Acho que esse tipo de apreciações e juízos de valor terá de ser a Ana Elisa a descobrir por si, a pouco e pouco.


Vá sempre saciando a sua sede de saber e nunca tenha medo de pensar por si própria, é o meu humilde conselho.