Extractos da entrevista de Miguel St. Aubyn, professor catedrático do Departamento de Economia do ISEG, ao i:
- Surpreendeu-o a carta de demissão?
Não. Tinha a intuição que desde o episódio da TSU isso poderia acontecer. Na minha opinião foi falta de apoio político no seio da coligação governamental e no país em geral, embora ele tenha reconhecido também alguns erros, é um facto.
Foram mesmo erros?
Sim. Nomeadamente a previsão que foi feita no Orçamento de 2012 para 2013 era excessivamente optimista. Muita gente pensou logo nisso.
Mas como é que um economista como Vítor Gaspar pôs a sua chancela nessas previsões?
Ele poderia explicar melhor. Talvez se tivesse deixado convencer pelas suas próprias ideias.
É um economista que cria os seus modelos e depois tenta encaixar a realidade nesses modelos?
Pode ser qualquer coisa desse estilo. O próprio trabalho dele nunca foi o das previsões macroeconómicas. Podia estar convencido que as coisas estavam a funcionar melhor do que estariam. Talvez tenha sido optimista em relação à componente externa, ao comportamento das nossas exportações? E também pode ter havido uma dose daquilo que os ingleses chamam de wishful thinking. Mas não foi certamente o primeiro a quem aconteceu uma coisa dessas, nem será certamente o último.
Vítor Gaspar ministro das Finanças foi diferente do Vítor Gaspar economista?
Não é muito fácil prever como é que um investigador será como ministro das Finanças e a maior parte dos investigadores nunca ocuparão esse cargo. Nem a maior parte dos ministros das Finanças foram investigadores em economia. Mas a actuação dele como ministro das Finanças não me surpreendeu, dadas as suas opiniões e análises anteriores, que lhe conhecia. Aqui no ISEG, mas também na Universidade Católica, achámos que a recessão iria ser maior do que a prevista. Havia também uma excessiva crença em certos efeitos que podemos apelidar de não keynesianos. Isto é, a ideia de que um ajustamento que fosse sendo cada vez mais bem conseguido levaria a uma retoma da confiança, do investimento e também uma reorientação da actividade produtiva para os bens transaccionáveis e para as exportações. E talvez essa equipa, onde se inclui o ministro das Finanças e a troika, tenha pensado que isso aconteceria de forma mais rápida. É até um dos pontos que me parece ser reconhecido numa avaliação recente que o Fundo Monetário Internacional fez sobre o ajustamento na Grécia. A ideia de que certas alterações estruturais e certas medidas criariam efeitos mais rápidos e visíveis. O que não está a acontecer.
- A dívida pública já atingiu os 127,2% do PIB. Como é que se corrige esta derrapagem?
O problema da sustentabilidade da dívida é um pau de dois bicos. Um maior crescimento permitiria a sustentabilidade da própria dívida existente. O que permitiria um cenário sem reestruturação dos empréstimos aos países sob ajustamento. Mas teria de ser um crescimento na Europa. E pode acontecer. Não podemos dizer porque estamos em recessão, vamos continuar eternamente assim. Agora se a retoma não acontecer rapidamente o cenário da reestruturação da dívida começa a impor-se. É uma questão aritmética.
É sustentável uma situação como esta arrastar-se durante, por exemplo, mais cinco anos?
É insustentável de diversos pontos de vista. Quer do ponto de vista do peso da dívida quer do ponto de vista social. Nós já temos quase 20% de desemprego, não é possível. Acho difícil que o próximo ano seja um ano com uma recessão como a deste ano. A situação torna-se muito complicada. Daí que os cortes anunciados na despesa tenham um efeito recessivo, em cima de uma recessão, muito gravoso.
Acredita que se pode cortar mais 4,7 mil milhões na despesa do Estado?
Não. Esses cortes na despesa pública induziriam uma quebra no PIB significativa de tal maneira que teria efeitos importantes nas receitas fiscais. Em cima disso teríamos mais aumento do desemprego, maior instabilidade social, insatisfação geral das pessoas, ou seja uma situação politicamente muito difícil de gerir. A troika não devia exigir mais cortes.
Mas esse corte de 4,7 mil milhões não pode ser considerado como uma redução da despesa não reprodutiva, com reflexos positivos no défice orçamental e na dívida pública?
O corte de 4,7 mil milhões tem um efeito bastante menor no défice orçamental porque ao deprimir a actividade económica isso vai-se traduzir em novas perdas de receita fiscal. O efeito sobre a dívida pública em percentagem do PIB também pode ser muito pouco significativo, eventualmente de sinal contrário ao desejado, porque esse rácio aumenta quando o PIB é mais baixo.
1 comentário :
Completamente de acordo!!!
von
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