«Classificaria Borges no que Quiggin designou Zombie Economics: "Uma ideia zombie é a que insiste em regressar apesar de estar morta" ("mesmo tendo-se visto que era perigosa e errada")» |
- "Não há dúvida de que é um homem sabedor, mas está agarrado àquelas teorias neoliberais, o mercado é que conta. O mercado não é ético, aquele jogo entre governos e grandes negócios falseia a concorrência".
- Jacinto Nunes, ex-governador do Banco de Portugal e professor catedrático jubilado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
• José Reis, “Não produziu pensamento original”:
- ‘Só estive uma vez com António Borges, num debate sobre Estado e economia. Fiquei com a ideia de que o que defendi lhe suscitou desdém. Havia um enorme mar e um intenso nevoeiro entre a margem que eu habito e a que ele habitava. Acho que ele não apenas não via o outro lugar como não tinha interesse em descortiná-lo.
Contava-se talvez entre os que cultivam o autismo económico. Não quero ser injusto, mas acho que Borges não produziu pensamento original, não criou obra e não foi sequer um intelectual orgânico do capitalismo liberal. Foi, como todos nós, uma circunstância. No entanto, detemo-nos nele como quem interpelou os outros, suscitando-lhes adesão ou conflito. O que explica esta contradição é que a Economia é também um instrumento de inculcação de ideias, de redução das liberdades pessoais e de sujeição das vontades a uma mecânica que as transcende e que raramente é humana, uma lógica de domínio dos poderosos sobre a maioria.
Na Economia, classificaria Borges no que Quiggin designou Zombie Economics: "Uma ideia zombie é a que insiste em regressar apesar de estar morta" ("mesmo tendo-se visto que era perigosa e errada"). Mas a classificação pouco conta. O que me parece é que Borges foi, na cena pública da nossa desgraça recente, quem mais tomou para si a tarefa de usar certas ideias como instrumento poderoso para configurar a sociedade, para a hierarquizar, para minimizar a imprevisibilidade dos humanos, para limitar a escolha, para, enfim, a ajustar a um mundo que era o seu, o das instituições que frequentava, o da relações sociais que desejava.
Neste sentido, foi o mais normativo e o mais alheio à pólis dos intervenientes no debate económico. Estaria errado e não estimaria o que a mim me parece que mais estima deve merecer. Mas também acho que estava convencido disso. Aquele era, afinal, o seu mundo. E cada um de nós só pode procurar fazer valer o seu se a vida for plural e até tiver o colorido que os excessos de Borges lhe deram.
A morte de António Borges, um homem de 63 anos, é, antes de tudo, a dor no peito que isso nos provoca. Um homem é sempre um valor irredutível.’
3 comentários :
Como Tchékhov escreve num dos seus contos, se pudesse, ia a este funeral com todo o prazer.
JC
Se não se importar eu vou consigo. Já somos dois.
Um dos melhores funerais dos últimos tempos. Melhor do que este, só do o do rendeiro da Quinta da Coelha
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