segunda-feira, outubro 21, 2013

Da pressão sobre o Tribunal Constitucional

• António Correia de Campos, Condicionalidades e condicionantes [hoje no Público]:
    ‘Em 15 de Outubro, a representação em Portugal da Comissão Europeia, DG Comunicação, emitiu um relatório sob o título "Poderá o Tribunal Constitucional pôr em risco a implementação do memorando?". No resumo inicial, o autor do relatório, Luiz Pessoa, afirma que "as sucessivas rejeições das medidas de ajustamento orçamental acordadas com a troika (...) preocupam os credores internacionais. Existem dúvidas sobre a imparcialidade política do tribunal desde a sua criação, mas na actual situação política e financeira qualquer activismo político deste órgão jurisdicional pode ter graves consequências para o país. O controlo constitucional da lei orçamental influenciará o programa de assistência: em caso de rejeição das medidas que contribuem para atingir as metas do memorando, será necessário um segundo programa de ajuda com sérios custos económicos e sociais para o país".

    O documento é quase exclusivamente dedicado ao Tribunal Constitucional (TC). Escrito segundo um modelo aparentemente objectivo e descritivo de opiniões, embora apresentados sob forma interrogativa, os subtítulos não deixam dúvidas sobre para onde pretende o autor conduzir o leitor: a condenação do TC. Assim vejamos: "Não toquem nestes direitos, cubram o défice de outra forma"; "Um segundo resgate em risco - uma ameaça para os portugueses"; "Será o TC um legislador negativo?"; "Recuperando um velho jogo de poderes: uma ameaça semelhante no passado" (onde se pretende argumentar com a analogia da intervenção do FMI em 1983, onde o tribunal se teria "portado bem", em contexto e condicionalidade diferentes, omitindo as modificações constitucionais introduzidas no tribunal, em 1987). Um outro subtítulo eloquente: "O TC é visto fora de Portugal como um risco para a aplicação do memorando." A conclusão do texto já não necessita de acusar o TC nem de o ameaçar para que decida como quer a troika, basta-lhe ressaltar a desgraça que seria para Portugal um segundo resgate.

    Não restam dúvidas de que este relatório tem um fim explícito: coagir os membros do TC, voltar os portugueses contra ele, caso o tribunal decida contra o que pensa o seu autor e ajudar o Governo a fazer engolir o Orçamento de 2014 pelos cidadãos. Na sua pretensa elegância e independência formal, o relatório acaba afinal por ser uma arma contra o Governo e um acto de indigência intelectual. O relatório omite por completo o falhanço das metas da troika em quase dois anos e meio de presença, tanto no défice, como na dívida, desemprego e recessão. O relatório centra o potencial falhanço do programa de ajustamento no TC, muito embora este tenha mais do que uma vez declarado não se opor a medidas de austeridade, desde que dentro do respeito pelos valores constitucionais. Finalmente, o relatório segue a reacção taurina da "bulling diplomacy": bastariam os cornos e o negro do touro para meter medo aos peões. Ora o TC não vai gostar deste relatório. Mas não será por gostar ou não dele que abandonará a sua reconhecida e respeitada independência.’

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