• Francisco Assis, O estado de excepção e a tirania dos mercados [hoje no Público]:
- ‘Perante uma situação desta natureza, somos levados a encarar o conceito limite de estado de excepção, que tem, aliás, uma interessante genealogia no pensamento político e jurídico do Ocidente. Um dos mais interessantes filósofos políticos contemporâneos, Giorgio Agambden, considera mesmo que as sociedades democráticas actuais vivem em permanente estado de excepção, por via da invocação de razões económico-financeiras. Mas foi sem dúvida Carl Schmidt quem teorizou mais profundamente no século XX este conceito. Para este jurista alemão, o soberano é precisamente aquele que decide sobre o estado de excepção, e nessa perspectiva ele coloca a questão decisiva da relação entre a política e o Direito. Numa época de crise, a decisão política tenderá a prevalecer sobre a organização jurídico-constitucional vigente. O estado de excepção significa a subordinação do Direito perante a vida e a afirmação da supremacia da decisão política sobre qualquer estrutura legal precedente. Curiosamente, Schmidt era um crítico radical do poder tecnocrático ao qual opunha a prevalência da dimensão da escolha política. Hoje em dia, a consumação do estado de excepção faz-se em nome de uma tirania dos mercados financeiros e de organizações políticas excessivamente venerandas em relação aos mesmos, contra a possibilidade de livre escolha democrática dos cidadãos. Quando o Governo português fundamenta as suas opções orçamentais na ideia da impossibilidade de uma alternativa, está a admitir a teoria do estado de excepção em obediência a um modelo de regulação internacional de características fortemente liberais no plano puramente económico. Essa ideia de inevitabilidade contraria as características fundamentais de uma sociedade aberta e democrática. Já as oposições, ao apelarem sistematicamente para uma acção correctora do Tribunal Constitucional, estão, ainda que por respeitáveis razões, a incorrer no perigo da desvalorização do debate político. Entre a norma e o facto, há a espessura do processo de aplicação prática. É nesse processo que pode emergir um sério debate de natureza constitucional, propiciador do surgimento de um amplo pluralismo interpretativo. A estrita remissão do confronto político para o domínio da apreciação da conformidade constitucional das decisões enfraquece a discussão doutrinária, e pode obscurecer o confronto de perspectiva de acção. Poder-se-á correr mesmo o risco de desvalorização da instância parlamentar, perspectivada como simples antecâmara da instância última de avaliação da exequibilidade da própria acção governativa.’
2 comentários :
Palavras e mais palavras,artigos e mais artigos...como disse alguém já há umas largas centenas de anos "é pelos seus frutos que reconhecereis a qualidade da árvore".
Caminhamos a passos largos para o monolitismo político na Europa. Em Portugal tem-se vivido nos últimos dois anos um autêntico Estado de excepção não declarado, que nos deixa muitas duvidas se existe um verdadeiro Estado de direito.
No orçamento recentemente apresentado estão contidas medidas que são contrárias aos princípios básicos do Direito dos países civilizados.
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