• José Vítor Malheiros, O sonho evanescente de um jornalismo independente:
- ‘(…) assistimos nos últimos trinta anos (desde o consulado de Margaret Thatcher, também conhecida pelo petit nom “TINA”, de “There Is No Alternative”) a uma investida da agenda neoliberal que se tem traduzido não só na imposição de visões ideológicas da extrema-direita económica pela propaganda partidária mas também numa captura da actividade jornalística, de forma a censurar de facto qualquer veleidade de discurso independente. Este cerco e subsequente conquista do jornalismo (com raras excepções pontuais) foi possível devido ao uso combinado de diferentes armas e ao concurso de algumas circunstâncias fortuitas, mas hoje está quase completamente concluído. Quem quiser saber o que se passa de facto na política portuguesa ou europeia, quais serão os impactos desta ou daquela política, tem hoje de dedicar um tempo insano à leitura de blogs de especialistas e comentadores independentes, de textos de organizações partidárias e profissionais, de estudos académicos. O jornalismo costumava fazer-nos poupar tempo mas deixou de o fazer. O que o grosso do jornalismo hoje nos oferece (e a televisão tem aqui o principal papel) não é mais do que a repetição de um discurso hegemónico, de carácter propagandístico, de direita (defensor da desigualdade), que nos repete que não há alternativa (TINA) ao crescimento da pobreza, à desigualdade, ao enriquecimento dos mais ricos, à destruição do estado social, à degradação do trabalho, à exclusão dos pobres. Isto não significa que a função de fact checking do discurso do poder não seja feita (esporadicamente) por alguns jornalistas e órgãos de imprensa, mas significa que essa função é silenciada por uma enxurrada de propaganda, que os media repetem, com a desculpa de que estão “a citar o primeiro-ministro” ou outra semelhante e com o argumento (verdadeiro) de que não possuem meios para verificar tudo o que o homem diz.
Veja-se o que se passa com a invenção do “aumento do emprego” do discurso de Passos Coelho, ou com a aldrabice da “retoma económica” que o Governo tem vindo a repetir, ou com a ficção do “programa cautelar” delicodoce que Cavaco Silva elogia ou com a abjecção da “insustentabilidade das pensões” que PSD e CDS apregoam. Não há pessoas a denunciar estas e outras aldrabices? Há, e há-as da esquerda radical à direita democrata-cristã (a sério) e as vozes que o dizem são reconhecidamente competentes e respeitadas. Mas são vozes singulares num mar de discurso propagandístico avassalador que repete a voz do dono e onde as televisões ocupam a parte de leão. Este é o cancro que se encontra no centro do problema político das sociedades actuais.’
3 comentários :
Certeiro, JVM.
Mas, se este é realmente "o cancro que se encontra no centro do problema político das Sociedades atuais", a principal preocupação das forças políticas de Esquerda deveria ser combatê-lo!
Em vez de pensarem que o inimigo se derrota lutando contra ele em aspetos parcelares ou secundários, SEM O ATACAR NO QUE É DECISIVO.
Em vez disso, as forças ditas de "Esquerda" empenham-se árduamente apenas na mesquinha competição entre si.
Quando um dia aparecer alguém com uma voz sonora, respeitada e COMPETENTE a abrir os olhos às pessoas, não será só o Louçã que irá passar subitamente à reforma e ao absoluto esquecimento.
É isto mesmo. O espaço público de discussão de alternativas foi capturado pelos interesses económicos de uma minoria. Não é possível o combate político justo e leal nestas circunstâncias. Temos uma censura pós-moderna instituída na sociedade portuguesa. O que fazer? Combater no campo do adversário nunca é boa ideia. São necessárias formas alternativas de luta. É bom que se pense nisto porque, dentro deste colete de forças, tão depressa uma alternativa democrática progressista não chega ao poder. É necessário ir mais além...para os limites...para as fronteiras...É necessário trazer o adversário ao combate em outros termos.
É preciso isso e muito mais, DS. Aqui já não há "adversários", há inimigos! Também de Classe, mas não só!
É preciso fazer o combate noutros termos, sim, saltar dos limites, também, mas sobretudo é urgente fugir da sua linguagem e ensinar uma visão alternativa coerente a quem não se revê na cartilha dominante.
E depois é indispensável, queiramos ou não, uma LIDERANÇA (não necessariamente "um líder") QUE INSPIRE e dê ânimo às massas populares. Uma liderança sábia, eticamente exemplar, humilde e séria.
Leva tempo a construir? Mas o Futuro é sempre suficientemente grande para a tarefa...
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