domingo, março 09, 2014

Até tu, Vasco?


• Vasco Pulido Valente, O empobrecimento:
    «O primeiro-ministro anunciou que Portugal não voltará tão cedo, se voltar, à relativa prosperidade de 2011. Outras personagens que o apoiam e o aprovam prevêem tranquilamente o empobrecimento progressivo do país. Nenhuma delas parece ter vivido os tempos de fome e desespero que duraram muito mais de 40 anos, durante a República, Salazar e Caetano.

    Com 30 anos no “25 de Abril”, não me esqueci depressa do que era a vida nessa altura. Não falo da esquálida miséria do campo, que numa região rica a uns quilómetros de Lisboa, em que as pessoas trabalhavam o dia inteiro, envelheciam depressa e morriam de qualquer maneira, sem diagnóstico e sem assistência. Como não falo da província – do Minho ao Algarve – onde o horror se tinha tornado a normalidade. Na falta de uma experiência directa, seria um impudor.

    Mas não me importo de falar da classe média (de resto privilegiada) em que nasci: e posso dizer que a pobreza contaminava tudo. O que se vestia, o que se comia, o que se fazia, o que se pensava. Mais do que na gente que mandava no Estado e no cidadão comum, a tirania estava, como dizia o outro, na necessidade de poupar, na privação perpétua da frivolidade e do prazer, no mundo imóvel e sem saída, que pouco a pouco se tornava numa prisão a céu aberto. As dores de crescimento num liceu de crianças caladas, que muito manifestamente esperavam o pior e, a seguir, numa Faculdade, que se destinava a premiar os filhos de família e a submissão, não levavam a uma descoberta ou sequer a uma aprendizagem, no seu melhor levavam a uma espécie de punição que moía e predispunha à desistência e ao cansaço.

    O Portugal de hoje não conseguiria nunca perceber o Portugal de 1950 ou de 1960. Agora, até se glorifica o crescimento da economia e a estabilidade financeira do regime. O primeiro-ministro com certeza nunca se deu ao trabalho de imaginar aquilo a que a pobreza haveria condenado um rapazinho de Trás-os-Montes com uma mediana boa voz. Nem lhe descreveram o deserto que foi Lisboa nessa época de chumbo, onde ir ao café ou a um cinema de “reposição” tomavam as proporções de um acontecimento. Os sinais que o país começa a voltar atrás são claros. Verdade que a civilização que entretanto se criou não vai desaparecer. Mas nada disso consola se imitações substituírem o que existia antes e acabarmos na mediocridade e na tristeza de uma simples sobrevivência sem destino.»

7 comentários :

james disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

deve ser para isso que baldaia e marcelino voltaram a entrevistar o barreto amigo de VPV

james disse...


VPV consegue nesta sua crónica espelhar bem o que era Portugal nas décadas anteriores ao 25 ABR de 74 e demonstra bem a ligeireza com que Passos Coelho e a corte que o apoia, estão a conduzir o país para uma regressão nunca vista há já tantas décadas.

A irrelevância, a ligeireza e a ausência de "uma experiência directa" como que esta gentalha que actualmente nos governa, prova bem a falta de uma perspectiva histórica da evolução operada no país...

De facto, só um bando de ignorantes e de um barítono de meia-tigela, pode, com tanta desfaçatez, ter a coragem de apresentar e defender este tipo de "projecto mobilizador" para os tempos vindouros.

Luis FA disse...

... e, ainda assim, reproduziam-se mais! Nesse aspecto já estamos pior!...

João Santos disse...

Este texto devia ser dado a ler e explicado (para o caso de não entenderem)aos psicopatos que pretensamente nos governam.

Unknown disse...

Reproduziam-se mais antes do 25 de Abril mas com a pior taxa de mortalidade infantil da Europa inteira, Albania incluida.

Em 2010 tinhamos a terceira taxa de mortalidade infantil mais baixa do mundo. Nestes 3 anos ja' estamos a regredir novamente.
O mesmo se passa em todos os paises ditos perifericos da europa, nos quais o sistema universal de saude tem sido tambem fortemente sacrificado. E' absolutamente imoral o que se tem feito, ao mesmo tempo que se da' dinheiro a rodos a bancos, a colegios privados e se baixa o IRC.

Anónimo disse...

A pobreza gera multidões de crianças esfomeadas. O anónimo das 11:23 que faça um esforço e vá procurar as mais altas taxas de natalidade do mundo. Depressa vai compreender que nenhuma delas ocorre numa sociedade dita industrializada e desenvolvida.
Se é esse o caminho que acha que devemos seguir para recuperar a taxa de natalidade estamos conversados.
A baixa natalidade Portuguesa estava a par da dos paises mais desenvolvidos e só há sensivelmente uma década ou pouco mais começou a tomar proporções alarmantes. Isto porque a falta de oportunidades , a crescente precarização do trabalho e a estagnação dos salários ( que não é de agora, nem resulta do governo Socrates mas sim da incapacidade do país para se ter modernizado quando podia : na era cavacal)não são nada conducentes ao desejo de constituir familia.Os dois ultimos anos e meio só vieram acelarar ainda mais esta situação com o empobrecimento forçado e repentino da população ( há sectores em que os salários cairam para metade, meus amigos, metade! ).
O trabalho precisa de mais protecção, ao contrário do que se têm feito ( nomeadamente mais fiscalização e eficacia nessa fiscalização), o salario minimo precisa subir e muito e são necessários avultadissimos investimentos na educação, formação e reciclagem da mão de obra portuguesa.
Sem isto estaremos condenados ao declinio demográfico, a menos que comecemos a importar bem mais imigrantes.