quinta-feira, setembro 24, 2015

«Uma parte não é o mesmo que o todo»


• Vital Moreira, Sinédoque
:
    «1. Segundo algumas previsões eleitorais, as eleições de 4 de outubro podem produzir um resultado inédito, ou seja, a vitória de uma coligação eleitoral sem maioria absoluta e sem que o maior partido da coligação seja o maior partido na Assembleia da República.

    Nesse caso, qual seria o partido vencedor das eleições? E quem deveria ser chamado a formar governo em primeira linha?

    Deve observar-se antes de mais que as coligações eleitorais não têm identidade política própria e não substituem os partidos que as compõem (os candidatos são sempre imputados aos respetivos partidos proponentes) e que - ponto crucial - elas se dissolvem automaticamente com as eleições e com a atribuição dos deputados eleitos.

    Os partidos da coligação eleitoral podem eventualmente vir mais tarde a constituir uma coligação de governo entre si, se tal se proporcionar. Mas para provar a natureza transitória e efémera das coligações eleitorais, basta pensar que nada impede que um deles venha a formar uma coligação de governo com um terceiro partido, preterindo o anterior parceiro.

    Seja como for, sob o ponto de vista constitucional e político quem forma os governos são os partidos políticos representados na Assembleia da República e não as eventuais coligações pré-eleitorais, entretanto desaparecidas. Quando o Presidente da República tiver de decidir sobre a nomeação do primeiro-ministro, a sua única referência é a geografia parlamentar resultante das eleições, independentemente das coligações eleitorais que tenham existido.

    2. Salvo a referência genérica aos "resultados eleitorais" - cujo expressão autêntica é a composição partidária da Assembleia da República -, a Constituição não estabelece um critério estrito para a nomeação do governo pelo PR após eleições. Nas quase quatro décadas de democracia constitucional entre nós, sempre foi chamado a formar governo o líder do maior partido parlamentar (que é também o partido real ou virtualmente mais votado), mesmo em caso de vitória com escassa maioria relativa (caso do PSD em 1985, com menos de 30% dos votos).

    Note-se que nos casos de vitória da AD, em 1979 e 1980, não só os partidos da coligação obtiveram em conjunto uma clara maioria absoluta de deputados mas também o PSD era o maior partido parlamentar, tendo por isso sido chamado a formar governo e tendo renovado a coligação com o CDS e o PPM para efeitos governamentais.

    Deve também registar-se que nas suas seis vitórias desde 1976 o PS só teve mais deputados do que a soma PSD-CDS em três ocasiões (1995, 1999 e 2005). Nas suas demais vitórias eleitorais (1976, 1983 e 2009) o PS teve menos deputados do que a soma dos dois partidos da direita. No entanto, mesmo nesses casos, o PS foi sempre chamado a formar governo, como maior partido que era.

    Numa democracia parlamentar são os partidos que disputam e ganham eleições (mesmo quando optam por coligar-se) e que formam governos (eventualmente em coligação governativa). As coligações pré-eleitorais não dão a nenhum dos partidos coligados o direito de se prevalecerem politicamente dos votos e dos deputados de toda a coligação. Uma eventual vitória da coligação de direita não é necessariamente uma vitória do PSD. Uma parte não é o mesmo que o todo.»

6 comentários :

Anónimo disse...

os dois labregos, que lindos!!!

Júlio de Matos disse...

Muitíssimo bem.

Mas cuidado com a frase «"resultados eleitorais" - cujo expressão autêntica é a composição partidária da Assembleia da República» (e não é pelo "cuja"...):

infelizmente, dada a irritante permanência na Lei Eleitoral da pulverização do eleitorado em "círculos" eleitorais, alguns dos quais MINÚSCULOS (quase uni-nominais!), pode dar-se um caso extremamente perturbante, que seria por exemplo (a confirmarem-se as sondagens oficiais...) a Coligação ter menos votos, mas MAIS DEPUTADOS!

Dada a ANTI-DEMOCRÁTICA distorsão (grosseira!) que resulta da falta de proporcionalidade entre os resultados eleitorais globais nacionais e o número de Deputados! E isto, meus caros, já deveria estar resolvido há muito, com o muito mais democrático CÍRCULO ÚNICO NACIONAL.

Não obstante, estou em crer que esta discussão é completamente destituída de oportunidade, sendo para mim ÓBVIO que os resultados de 4 de Outubro deverão dar uma VITÓRIA TÃO EXPRESSIVA ao PS, que já ninguém vai falar deste assunto a partir de 5 de Outubro...

Que gaita disse...

Há algo errado e distorcido. Imagine-se que só um partido concorria e tinha uma votação insignificante. Todos os outros partidos concorriam coligados em um ou vários grupos. Quem era convidado para PM?

linguado disse...

Não podia ser melhor explicado. 20 valores para o Prof.Vital Moreira.José Amaro.

António Antunes disse...

Ahahah! O imbróglio solucionar-se-ia com uma aliança PS - CDU (e/ou BE) não era?
Mas parece que os portugueses estão a perceber isso... Felizmente ainda temos um bom PR.

Senhora de Fátima (recatada e mãe de família) disse...



António Antunes, de que Galáxia é que nos estás a querer meter o Universo pelos olhos adentro? Reinicializa-te, pázinho...