segunda-feira, janeiro 16, 2006

Sugestão de leitura - Exemplos do poder das corporações

Luís Salgado de Matos, no Público, escreve um artigo intitulado "Manda quem pode". É sobre as corporações. Com exemplos do que se passa na saúde e na justiça. Aqui fica:

    "Há uns tempos, a mãe de um cidadão estava num hospital português a ser observada por uma médica. “Deve levar uma injecção”, disse a facultativa. Nada se seguiu. O filho da enferma assistia. “Porque não manda uma enfermeira dar a injecção?”, disse ele. “Não posso, só a enfermeira-chefe pode dar ordens aos enfermeiros”. “Então chame a enfermeira-chefe”. “Ela não concorda com estas injecções”, disse a médica.

    O leitor terá assistido a cenas destas, que não são assim tão fora do vulgar. O médico é o responsável técnico pelo futuro do doente. Se ele não tem o poder sobre o enfermeiro e sobre o auxiliar de enfermagem, o sistema fica desregulado. Ganha a corporação. A corporação dos enfermeiros. Perde o doente.

    Os médicos não protestam: o poder disciplinar dar-lhes-ia maçada e exigiria um ethos que enjeitam. Preferem a greve – à custa do doente – e a proletarização – à custa do contribuinte.

    Nos tribunais ocorre inversão semelhante. O juiz não tem o direito de dar ordens aos funcionários do tribunal. Só o escrivão desfruta de tal momentosa faculdade. É uma bela conquista corporativa. É por certo este um dos pequenos pormenores que explicam que tenha demorado quatro anos e meio a chegar aos tribunais um caso tão simples como o dos atestados médicos de Guimarães. Os juízes também preferem a proletarização a reivindicarem o poder no tribunal no qual se afirmam soberanos.

    Há mais. O procurador-geral da República tem o poder de dar instruções genéricas aos seus subordinados, os procuradores da República – mas não o de dar orientações concretas sobre um dado caso. O procurador é o titular do caso e, desde que invoque razões técnico-jurídicas, cessa o poder do procurador-geral. O procurador-geral poderia ter que obedecer ao Governo e, assim sendo, e, se os procuradores, por seu turno, tivessem que lhe obedecer, os tribunais seriam governamentalizados. Mas o Ministério Público é hierarquizado. Assim conseguimos que o Ministério Público simultaneamente obedeça e desobedeça ao seu chefe.

    Há mais exemplos deste Estado liberal-corporativo. Estes, porém, são tão importantes que merecem a nossa atenção. Quem deve mandar não tem os meios jurídicos para o fazer. Diz o rifão: manda quem pode – e quem tem o direito encolhe-se. Obedece quem deve: isto é, quem não tem força.

    É desde logo mau sinal que médicos, juízes e procuradores aceitem o sistema que lhes mina a autoridade. Temos por certo um problema de pessoas. Mas temos também um problema de leis. As leis portuguesas destroem a soberania hierarquizada do Estado em benefício da força factual das corporações e anulam o direito do responsável face ao subordinado faltoso. Os partidos políticos, o Governo e a Assembleia da República devem adoptar leis que, neste particular, sejam semelhantes às dos Estados da comunidade atlântica."

5 comentários :

Anónimo disse...

Bem apanhadas estas observações.

Anónimo disse...

Mostra a realidade da inoperacionalidade dos nossos serviços publicos.

O Pais é de funcionarios, nem os restantes cidadãos merecem o minimo de respeito.

Mas quem lhes paga as progressões, as ferias, as reformas a 100%, a assistencia social, etç..etç.. é quem trabalha por conta de outrém.

É nisso que os sindicatos da função publica e o sr,Carvalho da Silva protestam, os patrões não pagam a segurança social. Se não pagam logo não "pão para malucos"

Anónimo disse...

A verdade e a mancha

É verdade que a PGR, no uso das suas competências, pediu à PT a discriminação da factura de telefone de uma pessoa investigada no âmbito de um processo.
É verdade que a PT forneceu umas disquetes contendo a informação pretendida, a qual estaria misturada com muitos outros registos.
Parece ser verdade que os registos não solicitados, mas agrupados no mesmo suporte, foram previamente “blindados”.
É verdade que os telefones dos membros do Governo e de outros órgãos de soberania são desde logo considerados confidenciais, pelo que faz todo o sentido que as tais listagens fornecidas incluíssem um grupo de telefones tratados da mesma maneira.
É verdade que as listas publicadas só incluem pessoas cujos telefones estavam nessas condições, por os seus titulares se encontrarem nas funções que o determinavam.
É verdade que é profundamente ridículo admitir que Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal, o próprio Procurador Geral, vários Ministros e Secretários de Estado das mais variadas pastas e Governos estivessem a ser alvo fosse de que suspeitas fossem no âmbito do referido processo.
É verdade que as ditas disquetes foram parar a um jornal sensacionalista.
É verdade que a informação que estaria oculta foi, algures neste caminho, desvendada e publicitada.
É verdade que o que foi publicitado não tem, em si mesmo, qualquer significado, é uma espécie de lista telefónica disparatada que revela que o telefone é um instrumento utilizado por todos.
É verdade que tudo isto produziu um escândalo total quando não deveria ter merecido mais do que um gesto de impaciência perante o absurdo que a notícia pretendia insinuar e um forte castigo sobre quem terá entregue o material ao jornal violando os seus deveres profissionais.
É verdade que deveria ter havido um clamor de repúdio sobre a atitude do jornal.
Mas também é verdade que vivemos um clima de suspeição doentia, que raia o irracional, em relação aos titulares de quaisquer cargos públicos, sejam eles de que natureza forem, sem poupar ninguém. Sem esse clima, a notícia de hoje teria apenas merecido uma forte censura a um tipo de jornalismo que se alimenta disto mesmo – da desconfiança cega, do desrespeito pronto, da falta de credibilidade alimentada, acrescentada, muitas vezes mistificada.
Está na altura de ganharmos algum juízo e, de uma vez por todas, medir bem as palavras quando se trata de fazer juízos de valor precipitados – sobre pessoas e instituições. Porque a vergonha recai sobre todos e causa muitos danos, mesmo que se continue a teimar em fingir que a imagem se limpa com o rolar precipitado de algumas cabeças mais a jeito.
Não limpa, a mancha fica sempre. Sobre as pessoas, sobre os cargos, sobre o País.

posted by Suzana Toscano (4.ª república)

Anónimo disse...

Se o Luis Salgado Matos lesse estes artigos que segume, escusaria de fazer figura de urso, como notoriamente fez, secundado por quem colocou aqui a transcrição:


Artigo 76.° (versão anterior)
Estatuto

1 - Os magistrados do Ministério Público são responsáveis e hierarquicamente subordinados.

2 - A responsabilidade consiste em responderem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem.

3 - A hierarquia consiste na subordinação dos magistrados aos de grau superior, nos termos da presente lei, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas, ordens e instruções recebidas, sem prejuízo do disposto nos artigos 79º e 80.º.

Artigo 79.° (versão anterior)
Limite aos poderes directivos

1 - Os magistrados do Ministério Público podem solicitar ao superior hierárquico que a ordem ou instrução sejam emitidas por escrito, devendo sempre sê-lo por esta forma quando se destine a produzir efeitos em processo determinado.

2 - Os magistrados do Ministério Público devem recusar o cumprimento de directivas, ordens e instruções ilegais e podem recusá-lo com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica.

3 - A recusa faz-se por escrito, precedendo representação das razões invocadas.

4 - No caso previsto nos números anteriores, o magistrado que tiver emitido a directiva, ordem ou instrução pode avocar o procedimento ou distribuí-lo a outro magistrado.

5 - Não podem ser objecto de recusa:

a) As decisões proferidas por via hierárquica nos termos da lei de processo;
b) As directivas, ordens e instruções emitidas pelo Procurador-Geral da República, salvo com fundamento em ilegalidade.
6 - O exercício injustificado da faculdade de recusa constitui falta disciplinar."

Anónimo disse...

Artigo 80.° (versão anterior)
Poderes do Ministro da Justiça

Compete ao Ministro da Justiça:

a) Transmitir, por intermédio do Procurador-Geral da República, instruções de ordem específica nas acções cíveis e nos procedimentos tendentes à composição extra-judicial de conflitos em que o Estado seja interessado;
b) Autorizar o Ministério Público, ouvido o departamento governamental de tutela, a confessar, transigir ou desistir nas acções cíveis em que o Estado seja parte;
c) Requisitar, por intermédio do Procurador-Geral da República, a qualquer magistrado ou agente do Ministério Público relatórios e informações de serviço;
d) Solicitar ao Conselho Superior do Ministério Público informações e esclarecimentos e fazer perante ele as comunicações que entender convenientes;
e) Solicitar ao Procurador-Geral da República inspecções, sindicâncias e inquéritos, designadamente aos órgãos de polícia
criminal.
.

Para além disso, os procuradores da República ( e os procuradores gerais adjuntos que se lhes seguem hierarquicamente) têm os seguintes poderes concretos de fiscalização:


SECÇÃO II
Procuradores da República

Artigo 63.º
Competência

1 - Compete aos procuradores da República:

a) Representar o Ministério Público nos tribunais de 1.ª instância, devendo assumir pessoalmente essa representação quando o justifiquem a gravidade da infracção, a complexidade do processo ou a especial relevância do interesse a sustentar, nomeadamente nas audiências de tribunal colectivo ou do júri;
b) Orientar e fiscalizar o exercício das funções do Ministério Público e manter informado o procurador-geral distrital;
c) Emitir ordens e instruções;
d) Conferir posse aos procuradores-adjuntos;
e) Proferir as decisões previstas nas leis de processo;
f) Definir formas de articulação com órgãos de polícia criminal, organismos de reinserção social e estabelecimentos de acompanhamento, tratamento e cura;
g) Exercer as demais funções conferidas por lei.

Artigo 58.º
Competência


1 - Compete ao procurador-geral distrital:

a) Dirigir e coordenar a actividade do Ministério Público no distrito judicial e emitir ordens e instruções;
b) Representar o Ministério Público no Tribunal da Relação;
c) Propor ao Procurador-Geral da República a adopção de directivas que visem a uniformização de procedimentos do Ministério Público;
d) Coordenar a actividade dos órgãos de polícia criminal;
e) Fiscalizar o exercício das funções do Ministério Público e a actividade processual dos órgãos de polícia criminal e manter informado o Procurador­Geral da República;
f) Velar pela legalidade da execução das medidas restritivas de liberdade e de internamento ou tratamento compulsivo e propor medidas de inspecção aos estabelecimentos ou serviços, bem como a adopção das providências disciplinares ou criminais que devam ter lugar;
g) Conferir posse aos procuradores da República e aos procuradores-adjuntos na comarca sede do distrito judicial;
h) Proceder à distribuição de serviço entre os procuradores da República da mesma comarca, departamento ou círculo judicial, sem prejuízo do disposto na lei do processo;
i) Exercer as demais funções conferidas por lei.


2 - O procurador-geral distrital pode delegar nos demais procuradores­gerais­adjuntos funções de superintendência e coordenação no distrito judicial, segundo áreas de intervenção material do Ministério Público.

3 - O procurador-geral distrital e os procuradores­gerais­adjuntos podem ser coadjuvados por procuradores da República.

Bastaria ir ao google, teclar PGR- estatuto do MP e estaria tudo resolvido- se soubessem ler, antes de lançar bocas.