terça-feira, abril 11, 2006

"Temos uma magistratura da idade média e de mercearia"

Vamos ver se hoje arranjamos tempo para transcrever alguns fragmentos da entrevista dada por Maria José Morgado à Rádio Renascença no Domingo, reproduzida no Público de segunda-feira.

ADENDA — Houve um leitor que teve a amabilidade de transcrever, na caixa de comentários deste post, a entrevista dada por Maria José Morgado. Evita-nos trabalho e evita que sejamos acusados de falta de isenção na escolha dos fragmentos a transcrever. Passem por lá e leiam-na.

11 comentários :

Anónimo disse...

(vou trazer todo para aqui e depois selecciona.)

É "inaceitável" a proposta de criar um foro para titulares de cargos políticos

A crise aberta na Polícia Judiciária indica a necessidade de "definir um sistema de poder policial que funcione em articulação com o Ministério Público e com os tribunais", considera a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, em entrevista ao PÚBLICO /Rádio Renascença no programa "Diga Lá Excelência". A magistrada acusa o Ministério Público de passividade, de desactualização e de inoperância no combate ao crime organizado e classifica de "disparatada" a pergunta sobre se aceitaria desempenhar as funções de procuradora-geral da República. Por Paula Torres de Carvalho e Dina Soares

Oforo especial para crimes praticados por titulares de cargos políticos, pode conduzir à situação de alguns países da América Latina em que há razões de Estado que travam e limitam as investigações criminais, diz Maria José Morgado, salientando que, nesta proposta em estudo para incluír no Código Penal, vê "um sinal de protecção dos titulares de cargos políticos quando devíamos ser intransigentes".
PÚBLICO - Os acontecimentos recentes que levaram à demissão do director nacional na Polícia Judiciária indicam que há uma tentativa de instrumentalização política da PJ?
Maria José Morgado - Indicam coisas mais profundas... a necessidade de definir um sistema de poder policial que funcione em articulação com o Ministério Público e com os tribunais. Nesse campo, há conflitos de interesses e forças divergentes que podem causar problemas sérios, no futuro.
Como é que analisa as divergências existentes dentro no Governo quanto à tutela da PJ?
Não sei se há divergências porque elas não foram tornadas públicas. Gostaria de fazer um esforço para não nos perdermos aqui com a intriga política. O que pode existir, neste momento, é uma disputa entre estas duas concepções de sistema policial, uma autoritária e outra, liberal. Mas temos um problema muito mais complexo que é a partilha de competências entre as polícias, o que cria interesses conflituantes enormes e diários.
De que forma?
A PSP e a GNR desempenham funções simultaneamente de investigação criminal e de natureza administrativa. A PJ tem uma função exclusivamente de natureza processual, de prevenção e de repressão e de colaboração com os tribunais na recolha da prova. E isto cria situações muito complexas de se gerir ao nível do desempenho da função policial, da administração da justiça e do sistema de informações...

Anónimo disse...

(Cont.)

Que se poderiam resolver se houvesse uma tutela única das várias forças?
Não sei se a tutela única, neste momento, resolveria.
Portanto, está contra a eventualidade que foi noticiada da "transferência" da tutela dos serviços da Interpol e da Europol, da PJ para a Administração Interna?
Parece que isso foi desmentido.
Houve uma resolução decidindo que esses serviços permaneceriam sob a tutela da PJ. Está contra essa eventualidade?
A questão é que se vai tornar administrativa uma informação que tem vocação judicial e se destina à investigação criminal. E se estamos a torná-la administrativa, estamos a perder potencialidade no combate ao crime. Se aliarmos a isso o foro espacial para crimes praticados por titulares de cargos políticos, podemos encontrar-nos numa situação quase de países da América Latina em que há razões de Estado que travam e limitam as investigações criminais. E isso é inaceitável.
O responsável da Unidade de Missão encarregada da revisão dos códigos penal e de processo penal, o dr Rui Pereira, já veio explicar essa questão do foro especial.
É inaceitável. Os magistrados têm um foro especial. Os que cometem crimes são julgados num tribunal imediatamente superior à sua hierarquia. Quantos conhece que foram condenados?
Para o caso dos políticos, esse foro especial não tem justificação?
É inteiramente disparatado e desajustado, além de manifestar desconfiança em relação aos magistrados na primeira instância. É desajustado em relação à forma de funcionamento dos tribunais superiores e põe em causa a própria estrutura acusatória do processo. Vejo nesta proposta um sinal de protecção dos titulares de cargos políticos quando devíamos ser intransigentes. Veja-se o que se passou agora no caso de corrupção na Câmara de Marbella. Há um fosso entre a reacção do Governo espanhol e a reacção do Governo português quando foi o caso Felgueiras. Há um fosso.
Já se pronunciou contra a intenção do Governo de rever a lei orgânica da PJ e falou numa "falsa reestruturação". Porquê?
A última lei orgânica da PJ foi de Novembro de 2000 quando António Costa era ministro da Justiça. Não percebo esta ansiedade política de cada ministro de ter a sua lei orgânica. O que é preciso saber é de que forma a Polícia Judiciária vai cumprir as suas funções.
A reforma dos códigos penal e do processo penal em curso não será uma forma de algumas destas questões poderem ser resolvidas, inclusivamente as que têm sido mais debatidas pela opinião pública como, por exemplo, as escutas telefónicas?
As escutas são um assunto mediatizado e parece impossível uma abordagem crítica. Objectivamente, nós temos escutas só por ordem judicial. Segundo estatísticas do procurador geral distrital de Lisboa, para 280 mil inquéritos foram pedidas 368 escutas, no ano passado. Destas, mais de duzentas respeitavam a crimes de tráfico de droga. É um número que não causa inquietação. Para todo o país, segundo a estatística fornecida pelo procurador geral, haverá 13 mil escutas, não é um número preocupante.
O que pode ser preocupante é a falta de controlo das transcrições e destruição das escutas pelos magistrados...
Em relação aos processos normais, as exigências de formalidades das escutas são tais que só têm conduzido à impunidade e ao desmantelamento de toda a prova recolhida.
Preocupa-a então o pensamento do actual director nacional da PJ, de apreensão quanto às escutas?
O que me parece é que a preocupação dele é que não haja banalização da utilização deste meio de obtenção de prova.
Apesar das desilusões, da conflitualidade da sociedade actual, sente-se recompensada pela luta que travou, no passado, como militante da extrema-esquerda ou acha que não valeu a pena?
Não tenho nenhum sentimento de infelicidade. Todos os dias entro no tribunal com a mesma alegria que tive no primeiro dia em que tomei posse. Não sinto esse desgaste.

Anónimo disse...

Temos uma magistratura da idade média e de mercearia


"O panorama actual do Ministério Público é de um sistema obsoleto, em estado de completa desactualização e inoperância por ausência de uma informatização integrada".
PÚBLICO - Já denunciou a falta de estratégia de combate ao crime organizado. Considera que isso acontece porque há falta de independência da PJ, há falta de recursos, há falta de meios ou tudo junto?
Maria José Morgado - Haverá uma mistura disso tudo. O combate ao crime económico exige especialização, independência e não se pode estar dependente de quantos computadores é que vão ser fornecidos, quantos peritos, etc. Mas exige um sistema de informações que possibilite conhecer os circuitos financeiros e de branqueamento de capitais do crime económico, exige uma visão global do fenómeno e isso poderia ser conseguido através de uma entidade superior às polícias que conseguisse coordenar a sua actividade em termos de informação. Essa entidade poderia ser o Ministério Público se este dispusesse de métodos de trabalho modernos actualizados e congruentes com estes objectivos. Como isso não existe, o que temos é a dispersão das polícias no terreno, cada um a puxar do seu lado e isso envolve uma minimização das funções policiais ao ponto de apenas se conseguir reagir à criminalidade da rua, ao crime violento. Ficam de fora as tarefas mais difíceis que são as que dizem respeito ao combate ao crime económico.
Qual é a solução para este estado de coisas?
Precisamos de uma polícia altamente especializada que terá necessariamente por base a experiência da Polícia Judiciária, magistrados especializados, tribunais especializados... não é compatível misturar processos de criminalidade económica que são duríssimos de compreender com processos de roubo por esticão... e é precisa alguma vontade política que não vislumbro em parte nenhuma.
Está de acordo com a criação de um organismo independente que englobe várias entidades e representantes que trabalhe na prevenção da corrupção?
Não me entusiasmo muito. É capaz de ser um elefante branco que não leva a lado nenhum. O combate à corrupção vive da prevenção que, por sua vez, vive do cruzamento de dados de toda a criminalidade que usa a corrupção como instrumento do crime. Tem de haver uma confluência de todos os elementos ligados ao crime organizado. Isso envolve uma interacção informativa entre todas as polícias, entre a polícia e o Ministério Público e entre todos os ramos da actividade do Estado, nomeadamente as estruturas que têm a ver com a administração pública mas não têm a ver com a administração da justiça mas que devem trabalhar em parceria na prevenção da corrupção, como as inspecções. Um organismo só dedicado à corrupção perde força na medida em que não tem uma visão de conjunto do fenómeno.
Não existe muito partilha de informação.
Não há, porque o sistema de informações no nosso país continua a não viver dos métodos da padronização e dos métodos científicos, mas do método da recolha que é feita polícia a polícia que depois se considera dona da informação e não a partilha com ninguém. Isso é uma sangria para o Estado e para a investigação criminal.
A Direcção de Combate ao Crime Económico da PJ tem sido uma espécie de triturador de directores.
Desde 2000, têm tido um prazo de validade de mais ou menos 20 meses. Isto quer dizer alguma coisa.
Quer dizer que não há meios.
Nós temos de ter métodos de trabalho, um programa, objectivos. Os meios aparecem a seguir. Em relação ao Ministério Público, sem informatização não chegamos a lado nenhum. O panorama actual do Ministério Público é de um sistema obsoleto, em estado de completa desactualização e inoperância por ausência de uma informatização integrada. E sem isso não é possível nem coordenar, nem gerir, nem inspeccionar, nem fiscalizar, nem nada.
Voltamos à falta de vontade política
Não gosto de pertencer aquele tipo de magistrados que se senta à secretária e acha que todos os seus erros é por causa da falta de vontade do poder político. Nós deveríamos ter sido capazes, no passado e no presente, de fazer um levantamento dos problemas e de o apresentar de forma credível. E não aproveitarmos para nos desculparmos com a falta de vontade política. Porque, se calhar, ela é a nossa imagem no espelho. Porque também nunca dissémos: Assim não pode ser.
Atribui também culpas às direcções do MP.
Sim. No Ministério Público há uma cultura de passividade e de conformismo muito grande que não tem permitido resolver este problema de um sistema obsoleto por falta de uma nformatização integrada. (...) Isso é a pedra toque para termos uma magistratura prestigiada, competente ou então temos uma magistratura da idade média e de mercearia que é o que temos.

Anónimo disse...

(e por ultimo)


A reforma dos códigos "é barata" e permite "uma falsa obra política"


"Nós vivemos num país um bocado saloio em que se pensa que alguém que tem a atitude de falar e de denunciar os problemas da justiça, só pode ser por interesses mesquinhos" diz Maria José Morgado sobre a eventualidade de um convite para procuradora-geral da República.
PÚBLICO - O que faria se fosse a próxima procuradora geral da República? Há uma sondagem recente que a aponta como preferida para a PGR.
Maria José Morgado - O cargo não é de eleição e eu não estou em campanha para nada.
Estaria disponível para ocupar esse cargo?
A sua pergunta não tem sentido nem tem resposta. Nós vivemos num país um bocado saloio em que se pensa que alguém que tem a atitude de falar e de denunciar os problemas da justiça, só pode ser por interesses mesquinhos.
Se a convidassem, aceitava ou não?
Desculpe, a pergunta é disparatada.
Desde que abandonou a PJ, voltou a ser convidada para algum lugar de destaque?
Tive dois convites, recusei...
Por que é que não aceitou?
Porque quero ser magistrada do Ministério Público.
Tem sido uma crítica dura do sistema. Talvez fosse uma oportunidade de pôr em prática algumas das suas ideias.
Eram cargos fora da administração da Justiça. O meu lugar é na Justiça, é o que eu gosto, é onde pertenço.
Há uma comissão nomeada pelo Governo que está a trabalhar na revisão dos códigos penal e do processo penal. Acha que isso vai ajudar a melhorar o sistema de justiça?
A revisão dos códigos poderá ajudar a mais uns desastrezitos. O que está mesmo a fazer falta são alterações de leis para aumentar ainda mais a confusão. Acho que estamos a começar a casa pelo telhado... o que a administração precisa mesmo é de um sistema informático integrado que permitisse a gestão dos processos. A reforma dos códigos é barata, é o mais barato que se pode fazer, permite uma falsa obra política, na medida que nos códigos está a assinatura dos ministros mas na prática só gera confusões.

Anónimo disse...

Ouçam-na com atenção e respeito.Não se deve aplicar nesta situação,mas temos uma mulher com "M" grande.Fala sem medo e com verdade.Ainda gostaria de vir a saber os reais motivos da sua saída do cargo que ocupava.Respeito o seu silêncio e aceito como reais os motivos invocados mas peço desculpas e não os aceito como verdadeiros.
As minhas desculpas Dr.ª Maria José Morgado .

alanys disse...

Acho-a corajosa e muito inteligente.
Foi convidada para 2 cargos FORA da justiça.Recusou porque nada tinham a ver com a justiça.

e isto?
"A Direcção de Combate ao Crime Económico da PJ tem sido uma espécie de triturador de directores.
Desde 2000, têm tido um prazo de validade de mais ou menos 20 meses. Isto quer dizer alguma coisa."

Anónimo disse...

Vai ser difícil aqui ao autor do blogue, escolher algo que possa servir os seus propósitos.

A começar pele título da entrevista publicada, é logo um tiro no pé, se lhe der destaque- pois que nunca isso aqui mencionou.


Por outro lado, a MJM é alguém que fala de dentro de uma magistratura- o MP- e que sabe onde residem os verdadeiros problemas que ela aliás enuncia de modo sumário, mas real: no conformismo dos magistrados e nas rotinas instaladas.

Quanto ao demais, não sei onde e como é que o MAbrantes vai buscar lenha para tentar queimar os "magistrados", com o habitual achincalhamento.

Mas estou para ver e até já suspeito.

Anónimo disse...

"ADENDA — Houve um leitor que teve a amabilidade de transcrever, na caixa de comentários deste post,"

Como sou assinante do Público on-line não transcrevi,fiz somente copy do que estava no Público online do dia 10/04.
Disponha.:)
Vi a entrevista no canal 2 no Dom. à noite. Pode MJM não ter feito nada de relevante enquanto esteve na Judiciária, mas é uma voz critica de como funciona a justiça em geral e não poupou criticas ao funcionamento do MP e (mais veladamente) aos magistrados.

Não é cinzenta como os seus pares.É isso.
Quando fala não é só para defender privilégios.

Anónimo disse...

Dispõe nada...aqui o autor do blogue já percebeu que a entrevista não é bem como ele pensava que era...

até se torna cómico. Claro que não vai transcrever coisíssima nenhuma.

Anónimo disse...

A entrevista não está completa. Falta por exemplo, uma história que ela contou quando lhe entrou um homem no seu gabinete e que veio a saber, que era um preso a fazer um trabalho que competia ao tribunal.

Anónimo disse...

Anónimo das 09:03:30 PM, a MJM, disse que em Portugal não há investigação e a justiça não é aplicada, quando está em causa o colarinho branco ou corrupção.Isto sob a passividade dos agentes da justiça, que nada fazem para alterar este estado de coisas, entretendo-se em questões corporativas e sindicais.

O Público não transcreveu tudo que ela disse na entrevista.