terça-feira, dezembro 26, 2006

A palavra aos leitores – Ainda o anacrónico parecer do sindicato dos juízes [3]

Há sempre alguém que faz a defesa do indefensável — no caso, o parecer dos juízes Pedro Soares de Albergaria e José Mouraz Lopes. É o caso do nosso constitucionalista anónimo, que voltou a escrever um comentário:

    “O nosso Rawls continua imparável. Como devia saber, um dos hábitos que mais tolda o raciocínio é o de ler apenas aquilo que se quer ouvir. Agora apresenta como paradigma das suas certezas a decisão do TC se debruçou sobre a constitucionalidade dos artigos 174.º e 175.º do CP. Por isso, para abalar um pouco essas certezas (coisa em que não confio demasiado), recomendo-lhe a leitura de "Abuso Sexual de Menores" (Coimbra Editora, 2005), de António Araújo. É um livrinho de mais de 300 páginas onde, de forma fundamentada, se coloca em causa aquela decisão. E talvez seja a única obra que versa exclusivamente uma decisão do TC.
    Não é meu hábito escrever em blogues e muito menos na Véspera da Noite de Natal, mas estava receoso de que não estivesse em tempo de sugerir-lhe que encomendasse mais esta obra ao Pai Natal. É sempre melhor que aprender Direito Constitucional através da "Caras" ou da "Maria".
    Um abraço, Bom Natal e amigos como sempre.”


Parece que o constitucionalista anónimo aceitou o repto para discutir Direito Constitucional. Comentando aquilo que eu disse sobre a inconstitucionalidade do artigo 175.º do Código Penal, por não exigir o abuso da inexperiência no crime de actos homossexuais com adolescentes (ao contrário do que sucede quanto aos actos heterossexuais), o constitucionalista anónimo vem invocar um livro de António de Araújo. Claro que o constitucionalista anónimo não consegue formular um argumento. Diz só que o livro vai contra a jurisprudência do Tribunal Constitucional e que é uma obra documentada, mas por aí se fica.

O constitucionalista anónimo pertence àquela grande plêiade de juristas que, desgraçadamente, são incapazes de argumentar e substituem o debate de ideias pelos argumentos de autoridade.

Neste plano, eu poderia responder-lhe apenas que mais autoridade tem a jurisprudência do Tribunal Constitucional, sem menosprezar o valor de António de Araújo, que eu sei ser um assessor do Tribunal Constitucional e um assistente universitário sério e capaz, embora com posições acentuadamente conservadoras, que exprimiu em textos como o que publicou na revista Atântico sobre a pílula do dia seguinte (defende aí o “constitucionalista não anónimo” que a pílula do dia seguinte deve ser reprimida, porque incrementa as relações sexuais sem preservativos e potencia a difusão da SIDA.)

Mas o livro de António de Araújo deve ser levado a sério, ao contrário das bocas para o ar do constitucionalista anónimo. O que se pode discutir em relação ao acórdão do Tribunal Constitucional, elaborado pela penalista de Coimbra Maria João Antunes, é se não cai no exagero, defendendo uma certa visão de liberdade sexual da qual resultaria até a inconstitucionalidade do lenocínio.

Mas fora dessa linha de argumentos, António de Araújo não apresenta um único argumento sólido a favor da distinção entre relações heterossexuais e homossexuais no Direito Penal. O que resulta do seu livro é que, numa perspectiva menos liberal, a inconstitucionalidade do artigo 175.º podia ser ultrapassada de outra maneira, através da dispensa do abuso da inexperiência nas próprias relações heterossexuais.

Esta orientação, que, pelos vistos, foi rejeitada na revisão do Código Penal, provocaria um alargamento do crime em relação ao crime de estupro que já era previsto no Código Penal de 1886. Nesse crime, exigia-se o abuso da inexperiência ou a promessa de casamento. Desta última alternativa deixou de se falar em 1995, em nome de uma ideia de liberdade sexual que ultrapassa o quadro do casamento e também se filia na Constituição.

Por tudo isto, as tiradas do constitucionalista anónimo nada adiantam e de modo nenhum provam que seja legítimo discriminar vítimas em função da sua orientação sexual. Repito que a actual formulação do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição se opõe frontalmente a isso. Quer continuar a atirar umas bocas ao estilo da Caras ou quer discutir a sério, constitucionalista anónimo? Em todo o caso, é minha convicção de que não está a dar uma grande ajuda ao Juiz Pedro Soares de Albergaria.

2 comentários :

Anónimo disse...

Parece que o constitucionalista anónimo como o Miguel lhe chama se sumiu de vez...

Anónimo disse...

Essa gente actua na, penumbra, icognita,subterranea e até subersivamente. são conhecidos, na giria policial,por sustentaculos. No meu entender, com mais uns abanões à "costa", passam a supranumerários.