quarta-feira, janeiro 03, 2007

Uma estória falsificada ou a falsificação em história


Em três pequenas colunas no Público de hoje, o historiador Rui Ramos descobre a verdade acerca do Iraque. Contra a opinião mais corrente, defende que Bush fez muito bem em invadir o Iraque. Porquê? Porque, se não o fizesse, “não estaria talvez em menores apuros.

Escreve Rui Ramos: se Bush não tivesse invadido o Iraque, Saddam Hussein, “em vez de ser enforcado, [teria] anunciado o seu novo programa nuclear”, acrescentando que, “[c]om o colapso inevitável do regime de contenção, tê-las-ia [às armas de destruição massiva] fatalmente adquirido.” Por isso, “[n]enhuma solução, em 2003, era obviamente melhor.

No meio de tudo isto, o enforcamento de Saddam é um fait-divers: “A justiça é sempre de quem, além da razão, tem a força”; o processo foi equilibrado, porque, “[e]ntre os oito acusados (…), houve quatro penas de prisão e uma absolvição.

E Rui Ramos continua empolgado. A aplicação da pena de morte não espanta e “[é] curioso ver os mesmos que declararam a democracia de tipo ocidental imprópria para o Médio Oriente a exigirem agora a abolição da pena capital no Iraque.” Essa pena prova até a soberania iraquiana, cujas autoridades não se conformaram com o facto de “o primeiro administrador americano” a ter abolido. Por isso, “foi restaurada pelos governos iraquianos” (au ralenti?).

Faça-se justiça a Rui Ramos, historiador. É difícil, no quarto de página que o Público lhe concede semanalmente, dizer mais disparates em simultâneo. E não é menos difícil os disparates revelarem um tão elevado grau de seguidismo em relação à política mais cega e isolacionista da Administração Bush. Rui Ramos está a candidatar-se a ser uma espécie de último moicano da Administração republicana em queda livre.

Este artigo não é digno de um historiador. Lança palpites e contém afirmações que contrariam frontalmente o mais elementar senso comum. Veja-se, por exemplo, o seguinte:

    • Não é verdade que da primeira para a segunda guerra do Golfo a força militar iraquiana sofreu uma forte quebra?
    • Que indícios havia das armas de destruição massivas, para além dos parafusos ridículos que o ex-director da CIA e o General Colin Powell exibiram a contragosto numa cena que fez corar de vergonha os militares e os homens da “Inteligência” norte-americanos?
    • Com que base pode Rui Ramos prever que uma política musculada de embargos, fiscalização internacional e até ataques aéreos conduziria ao desenvolvimento de um programa nuclear no Iraque?

É claro que todas estas perguntas são retóricas. Eu sei e o historiador Rui Ramos sabe qual é a resposta a dar-lhes.

E Rui Ramos não é tão ingénuo que ignore que foi essa política musculada que deu bons resultados na Líbia. Mouammar Kadhafi começou a demarcar-se do terrorismo muito antes da invasão do Iraque, sem ter havido necessidade de uma ocupação territorial. Seria essa a estratégia a seguir no Iraque. Teria sido essa a melhor alternativa que muitos já haviam “descoberto” em 2003 e que Rui Ramos teima em não compreender ainda hoje.

Que resultou da invasão do Iraque? Por grosso, um país devastado e em guerra civil, a ascensão de movimentos terroristas no Iraque e na própria Palestina e o avolumar da ameaça para a paz internacional representada pelos regimes iraniano e sírio. Pior era impossível.





Entusiasmado com o mundo que Bush se prepara para deixar em herança, Rui Ramos, no seu artigo de hoje, não se esquece de falar da execução de Saddam Hussein. E saem novos disparates.

Em minha opinião, a execução foi um atentado aos direitos humanos e não, estritamente, à democracia. Mesmo abstraindo do figurino democrático dos Estados ocidentais, a pena de morte é rejeitada numa lógica humanista, que encontra defensores em todo o mundo. Um pequeno exemplo a propósito — o presidente iraquiano declarou-se contra a pena de morte e contra a execução de Saddam Hussein.

A abolição da pena de morte a seguir à invasão do Iraque, logo revogada, é também algo incompreensível. A restauração dessa pena não constitui manifestação nenhuma de autonomia ou da soberania do Iraque, uma vez que foi anterior às eleições e à transferência (?) do poder para as autoridades locais. Por isso, a interpretação de Rui Ramos de que os americanos se revelaram não imperialistas, ao permitirem que os iraquianos restaurassem a pena de morte, é ridícula.

Se essa interpretação fosse verdadeira, Bush teria agora lamentado a execução do antigo ditador do Iraque. Mas não foi isso que se viu.

E, aqui chegados, só uma última observação do historiador Rui Ramos: “A morte de Saddam passou como mais uma morte, e ninguém se atreveu a reivindicá-la como uma viragem para tempos melhores, ao contrário do que aconteceu com a sua captura, em 2003.

Bem, eu li que o «presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, qualificou a condenação à morte do ex-líder iraquiano Saddam Hussein como "um marco nos esforços do povo iraquiano em susbstituir o reinado de um tirano pelo reinado da lei".» Mas isso sou eu que leio jornais — ao contrário do que parece acontecer com o historiador Rui Ramos.

12 comentários :

Anónimo disse...

quem este historiador, que ninguem conhece?

Anónimo disse...

Ninguém conhece? Não há nenhum neo-liberal que não o cite, a este pateta do Rui Ramos.

Anónimo disse...

O Ramos é o guru da nova direita doméstica. O Miguel bem o lixou.

Portas e Travessas.sa disse...

Comentar historiadores, não o faço, por razão de higiene mental.

Isto não é uma critica ao Miguel, mas tão somente, mandar esses opinadores de meia tijela as malvas.

Quanto ao Saddam e a outros tais, o tribunal de Nuremberg não chega para apagar a memoria.

Não sou dos que dizem, que é no ceu que se paga as favas, não, é na terra, portanto, o enforcamento deu nisto - acabou a peçonha.

Se fosse possível, se tivesse esse dom, Hitler e Estaline, não fugiam da corda.

Não vejo outra alternativa para perservar os homens bons se não estriparmos os maus.

Para uma arvore reflorescer e dar bons frutos, o que se faz? faz-se poda, elimina-se os ramos maus e os mortos, para os bons virem fortificados.

A natureza é assim, porque havemos de a contrariar?

Acha, o Meu amigo Miguel, com o Saddam vivo, os homens e mulheres do Iraque e do Kweit, viviam descansados? - acho que não.

O Iraque daqui a 5 anos/10 anos esta irreconhecivel para melhor.

Quanto aos americanos, quando estiver para aí virado, direi que se há coisas que tem de mau, e há outras que tem de bom -O meu é reformado dos EUA.

Portas e Travessas.sa disse...

queria dizer que o meu pai é reformado dos States.

Acerca disto, um dia contarei como são os enganos da nossa segurança social em materia de calculo das reformas em comparação com a sua congenere americana.


depois conto

Adriano Volframista disse...

Miguel

Este seu post é um chorrilho de palpites, também.
Mas eu pedia-lhe para publicar o mesmo no Curdistão.
Cumprimentos

Anónimo disse...

«O Iraque daqui a 5 anos/10 anos esta irreconhecivel para melhor»
Umas dezenas de milhares de habitantes mortos por isso, vale bem a pena.
Nem mais.
Tenhamos esperança que Bush venha a ser reconhecido com...um nobel da paz.

Anónimo disse...

Bush pai disse para o Bush filho:

- Sabes filho, cometi com a tua mãe o mesmo erro que tu cometeste no Iraque;

Bush filho ficou intrigado e perguntou:

- Pai qual foi o erro?

Bush pai respondeu:

- Não retirei a tempo.

Anónimo disse...

Basta ver o que se passou com a invasão do Líbano por Israel.

Entraram de peito feito e saíram de fininho.

Anónimo disse...

Tenho má impressão desse Ramos, mas devo ser só eu que não gosto de andar na moda.

Anónimo disse...

Abrantes:
Costumo geralmente estar em desacordo com os teus comentários.
Quanto a este não podia estar mais de acordo.
Chamar a isto justiça é um insulto a quem a tenta fazer todos os dias.
Uma palhaçada inábil, gnóbil e hipócrita.
Convém relembrar que o Saddam foi enforcado por crimes cometidos em teatro de guerra apoiada, na altura, pelos EUA que forneciam quase todo o equipamento militar.

Anónimo disse...

ignóbil