- “Muito se disse e se escreveu sobre o que se convencionou chamar A "nova" criminalidade. O PSD pediu a demissão do ministro Rui Pereira e o CDS acusou o governo de ter "desertado". Há de facto um aumento do uso de armas de fogo em assaltos, carjacking, guerras de gangues e até, segundo parece, prosaicamente na rua. Mas talvez seja bom ver as coisas de mais perto. Na semana de 17 a 22 de Agosto, a "semana terrível", como ontem proclamava o Expresso, só uma operação parece planeada e conduzida por profissionais: o ataque a uma "carrinha de valores", na madrugada do dia 19. A escolha do alvo, do local (a A2, presumivelmente com pouco trânsito àquele hora), o uso de um explosivo militar e a preparação da fuga (que deixou a polícia desorientada), tudo isso indica informação (e boa informação), experiência e capacidade técnica. E é, de certa maneira, inquietante.
Quanto ao resto dos crimes, não passaram de crimes de amadores e renderam, ainda segundo o Expresso, no total, 1650 euros, dos quais 500 foram logo recuperados. Em Vagos, três jovens roubaram o supermercado da aldeia. Em Setúbal, um bando matou a tiro o dono de uma ourivesaria e fugiu sem nada. E da Beira ao Algarve, outros bandos levaram umas centenas de euros de postos de gasolina. É difícil ver a "modernidade" destas tristes façanhas. Já no século XIX as quadrilhas que infestavam o país tinham espingardas (não como as de hoje, claro está) e pilhavam cavalos (a forma contemporânea do carjacking). Antes do comboio, ninguém viajava sem uma escolta, principalmente no Alentejo e no interior.
Tirando o intermédio de Salazar, a penúria financeira do Estado fez sempre com que Portugal não pudesse ser eficientemente policiado. E, como é óbvio, Portugal precisava de ser bem policiado, pela simples razão de que era pobre. Por si própria, a pobreza não explica (ou justifica) a criminalidade, mas com certeza que a sugere e provoca. Não vivemos num mundo angélico, inteiramente dedicado ao respeito pela propriedade. Os políticos (do PSD e do CDS) pedem agora repressão: uma repressão mais rápida e mais dura. Não chega. Basta pensar que os 2000 polícias de Rui Pereira, que entrarão ao serviço daqui a uns meses, dão um polícia para 5000 portugueses. Portugueses que, por esse país fora, sofrem a miséria, a desigualdade e o desespero, a que o Estado preside, sem sequer o dinheiro para assegurar o sossego do cidadão comum. A criminalidade é um efeito da crise; e não é "nova", é uma velha, muito velha, tradição nacional.”
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