quinta-feira, março 19, 2009

Que tal um pouco mais de rigor jornalístico?

Como seria bons se os jornalistas soubessem um pouco de contencioso administrativo ou, pelo menos, lessem os despachos judiciais antes de escreverem notícias sobre eles e, de preferência, não se deixassem enganar pela conversa falaciosa de certos dirigentes sindicais.

Vamos lá ver se nos entendemos de uma vez por todas: quando um tribunal administrativo aceita ou admite um pedido de providência cautelar, isso NÃO SIGNIFICA que o tenha deferido, que tenha decretado a providência ou, sequer, que tenha dado razão aos peticionários; SIGNIFICA apenas que recebe o processo e notifica a outra parte para se defender, com vista a, no final, balanceando os argumentos das duas partes, o tribunal poder — então — decidir se decreta ou não a providência solicitada.

O que, nesta fase, pode ser objecto de decisão imediata é apenas — e só se isso tiver sido solicitado pelos peticionários — o decretamento provisório ou não da providência, para vigorar transitoriamente enquanto decorre o processo cautelar.

Ora, ao contrário do que nesta notícia se faz crer, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não deferiu o pedido do Sindicato dos Professores do Norte, nem decretou a providência solicitada, limitando-se a admitir o pedido e citar o Ministério da Educação para contestar. Mais: quanto ao pedido de decretamento provisório da providência, o Tribunal EXPRESSAMENTE INDEFERIU esse pedido.

6 comentários :

Carlos Rodrigues Lima disse...

Miguel,

Indeferiu, porque era redundante. Está no despacho.

Aproveito para lhe dizer que, ontem, o gabinete da ministra da educação enviou ao DN apenas 3 das 4 páginas do despacho. Curiosamente, a que, certamente por lapso, omitiu foi aquela que explicava porque é que indeferiu...

Dê aos rapazes uma palavrinha, porque nem toda a gente é parva

Enfim....

Carlos Rodrgues Lima

Anónimo disse...

Caro Carlos Rodrigues Lima,

A razão de indiferimento não é só a referida na notícia do DN: é também por não se considerar que a situação seja urgente, por não pôr em causa os direitos, liberdades e garantias, e por se considerar que um eventual atraso da sentença não se traduziria em dolo para o requerente.

O que é certo é que há um pedido expresso de decretamento provisório e ele é indiferido. E também é certo que o Ministério da Educação só afirmou, em resposta, que nenhum acto da avaliação de desempenho está suspenso. E não está, efectivamente: o que está suspenso até sentença é uma orientação da DGRHE. Nem se percebe bem o que é suspender um e-mail de esclarecimento…

O que também é interessante é que o DN confunde, propositadamente, sentenças com aceitações de providência cautelar - quero acreditar que é de propósito, porque ninguém se engana tantas vezes e durante tantos anos, caindo sistematicamente na mesma esparrela do Mário Nogueira, vindo depois reclamar que o Ministério da Educação não explica totalmente as razões de um indiferimento que o jornal noticia mal. Bela estratégia.

Ah, e também fica provado que o DN escreveu a primeira notícia sem ler a sentença! Deve ter boas fontes.

Ana Martins

Carlos Rodrigues Lima disse...

Sim, é verdade, a situação não é urgente, por isso se indeferiu o pedido expresso, mas também porque o mesmo é redundante, uma vez que o acto fica suspenso, tendo as partes 10 dias para decidir.

Cara Ana,

Reparei que não comentou o facto de o ME ter omitido uma página no despacho do tribunal. E ter voltado a omitir no comunicado que emitiu. "Deve ter" um bom gabinete de imprensa

Anónimo disse...

Caro Carlos,

Essa coisa do fax é estranha, no mínimo. Não me parece que queiram enganar o jornalista, porque, enfim, dava um pouco nas vistas...

Mas o que, de fora, me parece extraordinário - e sobre isso, nem uma linha escreve - é o DN fazer uma notícia sem ter lido a sentença. Não é sequer 1, 2, 3 ou 4 páginas. Não leu de todo. Fiou-se nas palavras de alguém - a gente pode imaginar quem, enfim, fontes neutrais ao processo. Que raio de jornalismo é este?

É que vir-se queixar do ME não é justificação para que as notícias se façam assim. Como jornalista, não me passa pela cabeça que o Carlos ache normal o que aconteceu.

Cumprimentos
Álvaro

Carlos Rodrigues Lima disse...

Normal, não é. A minha colega confiou nas suas fontes, como eu confio nas minhas. E, diga-se, as fontes não a enganaram. Apenas havia o pormenor da suspensão imediata. Porque, o processo é na mesma suspenso.

Mas não há nem mau jornalismo, nem má fé por parte da minha colega. Agora do ME, não sei se posso dizer o mesmo. Eles foram contactados antes da notícia e não quiseram esclarecer nada. E, sublinhe-se, estamos a falar de um processo administrativo.

No dia em que a notícia sai, fazem um pomposo comunicado "ME desmente DN" e enviam apenas 3 das 4 páginas do despacho.

E o que dizia a página que falatva? A suspensão imediata era redundante, tendo em conta a aceitação da acção. E, por outro, como é óbvio, não estavam em causa dts, liberdades e garantias fundamentais.

Obviamente que não quiseram enganar ninguém. Foi um lapso, cara Álvaro.

Gostava de dizer mais, mas não posso. Pela proximidade ouvi conversas, as quais decorreram sob sigilo profissional. Mas são elucidativas de como o ME não quis enganar

Anónimo disse...

Caro Carlos,

Não estou a falar do ME. Estou a falar do DN. Não me parece que o erro ou lapso de um lave o do outro. Pelo que li na notícia de hoje no DN, o lapso relativo à folha omissa (a que não foi logo enviada pelo ME) «foi rectificado mais tarde». Mais não digo, porque é coisa que me escapa totalmente. Mas pelos vistos, a folha chegou. Quem o tenha lido até aqui nestes comentários, fica a pensar que nunca chegou.

No entanto, fico muito grato por saber que a jornalista fez uma notícia sem ler a sentença, e que "basta" confiar nas fontes. A relação deve ser de confiança, imagino. Dado que o Mário Nogueira é a única pessoa citada na notícia de quarta-feira, imagino quem seja a fonte. Sem ir mais longe, posso pelo menos dizer a fonte não é agente de propaganda do Governo.

Acontece que, ao contrário do que o Carlos diz, a dita fonte não deve ter informado muito bem a jornalista. Caso contrário, a Rita Carvalho não precisava de ter escrito na notícia de hoje, a dada altura: «como noticiou erradamente ontem o DN».

Ora, o que noticiou erradamente o DN na quarta-feira que não está correcto? Que «[O]s professores que foram notificados pelos conselhos executivos por não entregarem objectivos individuais não poderão ser prejudicados na sua carreira. como tem dito o Ministério da Educação (ME). E, no fim do ano, se entregarem ficha de autoavaliação, terão de ser avaliados.».

Há, pelo menos, três problemas aqui:
1)a confusao (deliberada? por lapso? se a jornalista não sabe bem porque não leu a sentença, como deve qualificar este erro, e a quem devo atribuir a responsabilidade?) entre "notificações" feitas aos docentes pelos CE e a "orientações" enviadas pela DGRHE. São coisas bem diferentes.

2) Apresenta o caso como fechado, induzindo em erro o leitor («Foi ganha pelos sindicatos a primeira batalha jurídica contra o ministério»). Não ganhou batalha nenhuma, o jogo ainda agora começou.

3) Faz uma intepretação centenas de quilómetros à frente do que a decisão do Tribunal realmente permite concluir, como se o que se passou desse azo, sem mais, a dizer que os professores que não entregaram os «objectivos individuais não poderão ser prejudicados na sua carreira». Mas que grande derrapagem!
Ora, não é fácil compreender o que está em causa: a jornalista seguiu a interpretação e o "wishful thinking" do dr.Mário Nogueira, que, apesar de ter deixado de dar aulas há cerca de 20 anos, não se importa de passar 20 horas, se for preciso, a "explicar", pedagogicamente, aos jornalistas a interpretação "correcta" das decisões dos tribunais. Quando os jornalistas contactam os governantes, já vão com a cabeça bem feita. Os jornalistas, que pouco sabem, e que nem sequer se dão ao trabalho de ler a documentação essencial (não estou a mentir, pois não?), caem, desculpa a expressão, que nem uns patinhos. Isto não acontece 1, nem 2, nem 3 vezes, Carlos. Eu presto atenção ao que se passa na educação e isto está sempre a acontecer, dia após dia, em particular no DN, que se tem atirado a este assunto como uma fera esfomeada. Claro que no dia seguinte, lá vem uma notícia torcida, a corrigir vagamente o que se tinha dito no dia anterior, quando o estrago político já está feito, e a desinformação lançada. Acha que alguém nas escolas compreendeu o resultado desta embrulhada? Eu duvido. É que quando os professores procuram perceberem, embatem nas mesmas fontes "independentes" do DN: os sindicatos. Ora, o jornalismo devia ser um espaço de independência e informação, e nao correia de transmissão do dr.Mário Nogueira. Para isso já chega o espaço da escola, que o espaço da maior desinformação possível.

E não se queixe do gabinete do imprensa do Ministério. Queixe-se do trabalho de casa que a jornalista não fez, e que o deixa literalmente nas mãos dos sindicatos. Olhe que eu leio o DN todos os dias, e quase todos os dias vejo a mesma coisa: notícias com intepretações muito torcidinhas pela fontes de confiança.

Cumprimentos,
Álvaro