- «Todos estes processos acabaram por se metamorfosear em questões da justiça, sendo cada vez mais irrelevante a matéria substantiva. O protagonismo de magistrados e polícias e os atropelos de processo ganharam importância e é disso que se discute, não a matéria em apreço. Foram "pressões" conhecidas ou suspeitas; fugas de informação deliberadas e dirigidas; quebras estratégicas de segredo de justiça; técnicas de investigação estapafúrdias; métodos de interrogação e investigação vergonhosos; e acusações públicas entre os operadores de justiça. Mau grado os milhares de casos resolvidos todos os dias, são os processos "pesados" (pelo dinheiro, pela política, pelo gosto da imprensa ou pelos nomes envolvidos) que dão à justiça portuguesa este carácter de ópera bufa que lhe faz a sua reputação.
Os magistrados e os polícias falam de mais em público e, quando podem e querem, criam polémicas que afectam a segurança e a certeza da justiça. (…) Os corpos profissionais da justiça organizam-se para se combaterem, mas também, quando é preciso, para afrontarem a sociedade e o Estado.
As recentes cerimónias de posse dos presidentes dos sindicatos de magistrados judiciais e do ministério público (que não deveriam existir) são autênticos rituais de Estado e poder. Estes sindicatos, aliás, metem o nariz onde não devem e ocupam-se mais de política geral e de política de justiça do que do próprio do sindicalismo, isto é, das questões profissionais e laborais. Alguns dirigentes sindicais chegam a ter influência em processos em curso!
A porosidade entre tribunais superiores, conselhos superiores e sindicatos é assustadora.
A Procuradoria-Geral da República é, há vários anos, um problema real da justiça portuguesa.
(…)
A distinção, para efeitos de corrupção, entre actos lícitos e ilícitos é uma caricatura e destina-se a salvaguardar as causas verdadeiras da corrupção mais poderosa e eficaz, a que, a coberto da licitude, envenena o país e a sociedade. Há leis suficientes para julgar e punir os crimes de evasão fiscal, de fraude, de corrupção e até de enriquecimento estranho. Mas não há processo, tribunais, polícias e magistrados à altura. Por isso se fazem novas leis. Por isso não se cumprirão.
Estudos de opinião recentemente publicados (na Visão, por exemplo) mostram a terrível percepção que os portugueses têm da justiça. Num caso, consideram a inoperância do sistema como uma das principais ameaças à liberdade. Noutro, colocam os magistrados, numa escala de respeito, nas mais baixas posições. Há vinte ou trinta anos, estavam entre os mais reputados. Hoje, são quase desprezados. Acima deles, muito longe, médicos, professores, advogados, engenheiros, polícias e até jornalistas! Abaixo deles, só ministros e deputados!»
- “O chamado enriquecimento injustificado não tem a estrutura de crime de perigo abstracto. Com efeito, não estamos aí perante o perigo de corrupção porque o enriquecimento é posterior à eventual actuação do corruptor e do corrompido. Não há, pois, qualquer perigo mas as consequências de um presumível dano. Assim, o que fundamenta a incriminação não é o perigo de corrupção mas sim a dificuldade de provar a corrupção – ou outro crime aparentado.
Se o enriquecimento injustificado pudesse ser caracterizado como um crime de perigo abstracto, chegar-se-ia ao extremo, para se ser coerente, de presumir a corrupção e nem sequer admitir prova em contrário. Na verdade, é isso mesmo que acontece num crime de perigo abstracto. É claro que nenhum tribunal consideraria admissível que alguém provasse, para conseguir a absolvição, que ao conduzir embriagado não colocou em perigo qualquer bem.
Este é, sem dúvida, um assunto muito árido. Mas os juristas têm o dever de não ultrapassar as dúvidas sérias sobre a constitucionalidade, através de um conceito mal aplicado. Ao presumir a corrupção, estaremos a violar a presunção de inocência e a inverter o ónus da prova. E o problema não se resolve classificando a chita como seda, ou seja, trocando as etiquetas. Desse modo, a criminalização do enriquecimento injustificado não deixaria de ser inconstitucional.
A não inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstracto, em que se dispensa a prova judicial do perigo pela acusação, depende sempre da importância dos bens protegidos e da elevada probabilidade de a conduta incriminada criar um perigo para esses bens. A utilização (abusiva) do Direito Penal para resolver problemas de funcionamento do sistema, esquecendo exigências de Justiça, é sempre um caminho perigoso – mesmo que pareça a solução mais fácil.”
- “La banca debe volver a ser aburrida. Sus chanchullos y salarios por las nubes han gestado la grave crisis actual”.
3 comentários :
Manifesto em defesa de Fernanda Câncio, contra os ataques cobardes do costume:
http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/04/em-defesa-de-uma-jornalista-contra-o_19.html
CS
Excelentes os artigos de António Barreto e de Fernanda Palma.
Efectivamente, quem desprestigia a Justiça portuguesa são os próprios magistrados, sobretudo através dos seus espúrios sindicatos, mas também - principalmente no que toca aos do MP - com a sua inoperância e incompetência.
Isto prende-se com a questão do enriquecimento ílicito. É evidente que o enriquecimento, em si, não é crime nenhum. Só o será se resultar de crimes, como por ex. corrupção, tráfico de armas, tráfico de droga, etc.. O crime não é pois o "enriquecimento", mas o modo ilícito de o obter. Ora a corrupção, o tráfico de armas, o tráfico de droga, etc., já estão tipificados no Código Penal como crimes. O que há é enriquecimentos suspeitos: se um indivíduo que ganha 500 contos por mês tem vivendas de 100.000 contos e Ferraris, é de desconfiar da proveniência do dinheiro com que comprou esses bens. Cabe pois ao MP e à PJ investigar a proveniência desse dinheiro. O que acontece é que o MP e a PJ são completamente incompetentes para fazer essa sua obrigação: por exemplo no tráfico de droga, em que toda a gente sabe que há quem ganhe milhões, só conseguem prender uns desgraçados duns ciganos e arrumadores de automóveis, as mais das vezes toxicodependentas eles próprios.
O chamado "crime" de enriquecimento ilícito não é mais que o manto diáfano que encobre a nudez crua da inversão do ónus da prova; incapaz de investigar a corrupção, o tráfico de droga, etc., o MP pretende que sejam os suspeitos a provar que são inocentes, o que é manifestamente inconstitucional.
Não consegues citar o Krugman em inglês? Ou és mesmo semi-analfabeto? Talvez espanhol?
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