- ‘A pré-campanha eleitoral não tem sido positiva para a líder do PSD. A sua proclamada imagem de "credibilidade", "genuinidade" e "seriedade" meticulosamente construída desde que foi eleita presidente do partido, baseada em longos silêncios e raras declarações mais ou menos oraculares, não resistiu aos primeiros embates da disputa eleitoral. Se a isso somarmos uma indisfarçável atitude de azedume e ressabiamento pessoal face aos adversários, bem como a dificuldade para olhar de frente os interlocutores, o quadro não é propriamente sedutor.
A visita à Madeira e o elogio da "boa democracia" de Alberto João Jardim, em contraponto com a alegada "asfixia democrática" do continente, abalaram definitivamente a sua reclamada seriedade política. As entrevistas e debates com os demais líderes políticos mostraram as suas enormes contradições e inconsistências, a par de um oportunismo político sem limites, contradizendo hoje o que disse ontem em quase todos os dossiers, desde o TGV às Scut, passando pela privatização dos serviços públicos, que agora tenta desajeitadamente negar. Para completar o comprometedor quadro, só faltou a sua insinuação de que o projecto do TGV é movido pelos interesses espanhóis, uma aleivosia indigna de quem, como ministra do Governo de Durão Barroso, subscreveu em 2003 os acordos oficiais sobre as ligações ferroviárias entre os dois países e quem depois não teve pruridos em aceitar ser administradora do Banco Santander após ter sido ministra das Finanças. É de mais para quem tentou cultivar publicamente uma imagem de discrição e de imaculada idoneidade política. Apesar da desvelada protecção que a generalidade da comunicação social lhe tem proporcionado - escondendo ou desvalorizando as suas gaffes, contradições e desaires nos debates -, esta campanha eleitoral já tem uma vítima, que é justamente a da imagem que a líder do PSD tentou "vender" ao país.
Há, no entanto um aspecto assaz comprometedor para o crédito político da líder do PSD que não tem sido devidamente assinalado. Trata-se da manifesta insustentabilidade financeira das suas propostas políticas. Não é por acaso que o programa do PSD se guarda ciosamente de esclarecer os custos financeiros das suas políticas.
Tal como os demais países, Portugal vai sair da recessão com as finanças públicas sob stress, traduzido no aumento do défice orçamental e da dívida pública, em consequência da diminuição da receita fiscal e do aumento das despesas sociais e do investimento público necessário para manter a economia em funcionamento. E se em Portugal o impacto financeiro da crise foi menor do que em muitos outros países, com muito maior crescimento do défice e da dívida pública, nem por isso as preocupações financeiras podem ser subestimadas no período pós-crise.
Não há-de estar distante o momento em que os esforços de recuperação do equilíbrio financeiro devem ser retomadas, mesmo que alguns dos custos financeiros da crise ainda permaneçam (por exemplo, apoios sociais). 0 Banco Central Europeu já veio lembrar o óbvio: a recessão suspendeu as regias europeias da estabilidade financeira, mas não as cancelou indefinidamente. Os Governos têm de se preparar para retomar os esforços de disciplina financeira, recuperando receita e reduzindo a despesa pública. Ora, o que nos propõe o PSD nesta área é justamente o inverso, ou seja, redução da receita pública e aumento substancial da despesa pública.
Do lado da receita, a leviana proposta de redução geral da contribuição social patronal em dois pontos percentuais amputaria a segurança social de centenas de milhões de euros, que teriam de ser compensados pelo orçamento. A redução do IRC e vários outros benefícios fiscais das empresas custariam outro tanto ao orçamento. A abdicação da receita das actuais Scut é tudo menos despicienda. Do lado da despesa, o financiamento dos gastos de saúde no sector privado, por livre opção dos interessados, tal como consta no programa do PSD, importaria em verbas incomportáveis. A revisão da Lei das Finanças Regionais para dar mais dinheiro à Madeira (para premiar o despilfarro financeiro de Jardim) somaria mais uns milhões. A elevação dos encargos com os certificados de aforro acarretaria outro aumento da despesa.
Questionada no debate com Sócrates sobre algumas destas ideias, Ferreira Leite descaiu-se a dizer que nos próximos anos a questão do défice orçamental não é relevante, deixando claro que o financiamento daquelas propostas consiste em deixar disparar livremente o desequilíbrio orçamental, e consequentemente o endividamento público. Se se pensar que, com a retoma económica, não tardará o início da subida das taxas de juro, e logo dos encargos com dívida pública, fácil é verificar o grau de irresponsabilidade política de tal caminho. Trata-se de uma verdadeira receita para o descontrolo financeiro.
A contradição torna-se ainda mais gritante quando a líder do PSD assevera que se propõe diminuir a despesa pública para depois poder baixar os impostos. Não se vê como. Perante as referidas propostas despesistas, só por ficção é que se pode falar em diminuir os gastos públicos, a não ser que o PSD tenha o propósito escondido de compensar os referidos aumentos da despesa pública com cortes maiores noutros sectores, que cuidadosamente evita identificar. A experiência histórica mostra, porém, que quando a Direita quer cortar na despesa pública, são as despesas sociais que pagam. O PSD tem de esclarecer o mistério financeiro das suas propostas.’
1 comentário :
Vale tudo!
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