- ‘O caminho-de-ferro, o telégrafo e a imprensa tornaram as nossas classes cultas angustiadamente conscientes do atraso nacional na parte final do século, altura em que o produto "per capita" português já não chegaria a metade do da Europa Ocidental (situação que viria a agravar-se ainda mais até à I Guerra Mundial). "Uma geração inteira acha intolerável que Lisboa não seja Londres e Paris" (Eduardo Lourenço) e desse choque emerge o diagnóstico proposto por Antero de Quental no seu ensaio "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares" - uma narrativa tão poderosa que ainda hoje marca profundamente o modo como os portugueses dos mais diversos quadrantes ideológicos interpretam o seu país.
Simplificando, Antero propôs no seu livro o regresso ao passado esplendoroso mediante o corte com a cultura jesuítica que enfraquecera a grandeza essencial da Pátria. Essa mitologia foi adoptada pelos republicanos e incorporada no hino nacional. O Estado Novo deitou fora a retórica anticatólica, mas reteve e reforçou o saudosismo nacional-imperialista implícito no tema da recuperação da grandeza perdida dos "egrégios avôs".
Os portugueses permanecem dominados pela ambição de "levantar hoje, de novo, o esplendor de Portugal". Ora, Portugal nunca foi o país desenvolvido que se imagina, logo, o "esplendor" nunca existiu e o propósito carece de sentido. Houve, sem dúvida, uma época em que, mercê de várias circunstâncias, desempenhámos um papel pioneiro no curso da história mundial; e é verdade que o frágil e mutável império marítimo que então construímos nos conferiu, até à perda do Brasil, um peso considerável na política europeia. Mas também a Rússia perseguiu Napoleão até Paris e, muitos anos mais tarde, abriu o caminho à exploração do espaço, sem por isso deixar de ser o país atrasado que era e é.
A obsessão com a mítica grandeza passada de Portugal é responsável, acredito eu, pela frustração colectiva que nos avassala. A evidente aproximação à Europa Ocidental desde 1945 não pode contentar-nos, porque jamais aceitaremos menos que o primeiro lugar no concerto das nações, a que, por colossal ignorância histórica, julgamos ter direito.’
Sem comentários :
Enviar um comentário