sábado, outubro 31, 2009

O Público segundo o criador





No dia em que o Público (se) despede (de) José Manuel Fernandes, o director do Público escreve um último editorial, em que o delírio assume contornos patológicos. Leitores ou ex-leitores, gente de esquerda ou de direita, jornalistas ou não, não há ninguém que tenha a visão idílica do jornal que ele quer fazer passar no editorial de hoje.

Juntou-se no Público a fome com a vontade de comer: um projecto de poder alimentado pelo que de mais sórdido ia acontecendo lá fora com um projecto de pressões e represália sobre o poder político. Por ironia do destino, quanto mais o Público falava em asfixia, mais o seu accionista ia desinvestindo, transformando o jornal num produto híbrido, que pode fazer da próxima direcção uma mera comissão liquidatária.

Mas o melhor é dar a palavra a Vicente Jorge Silva, recordando o que o primeiro director do Público escreveu, há tempos, sobre a trajectória do jornal. Eis algumas passagens do artigo que pode ser lido aqui:
    “(…) não posso ficar indiferente quando uma história na qual participei é contada de forma distorcida - pelo menos aos meus olhos - e que, para conveniência dos seus actuais protagonistas, surge exposta de modo linear, pacífico, sem descontinuidades ou conflitos, quando ela é efectivamente descontínua, dramática e de rupturas (embora não assumidas) ao longo do tempo.

    Não se pode disfarçar o que é indisfarçável e pactuar com a hipocrisia ou o cinismo dos que pretendem rasurar o passado daquilo que não encaixa na sua interpretação falsamente beatífica das coisas.”

    “Fernandes faz de conta que entre o princípio e o fim provisório desta história terá havido uma linha editorial essencialmente coerente com o espírito original do jornal. Por outras palavras: simula que a memória não existe, nem sequer a dos leitores que, tendo acompanhado o Público desde os primeiros tempos, puderam constatar não apenas as suas radicais metamorfoses gráficas e estruturais como, sobretudo, o alinhamento ostensivo das posições editoriais mais influentes - as do director, obviamente - com uma cruzada ideológica de matriz neoconservadora, que levou, entre outras coisas, à legitimação das políticas da actual Administração republicana e da intervenção no Iraque.”

    “Não ponho em causa o direito que assiste a José Manuel Fernandes de escrever o que escreve e defender as causas em que acredita. Tal como não questiono o seu direito e o da administração do Público de proceder à transformação do jornal em algo essencialmente diferente daquilo que foi nas suas origens já longínquas. São as regras do jogo: quem tem dinheiro e poder é que manda (…)”.

    “Tal como não imagino que o New York Times se transforme no Wall Street Journal ou vice-versa - sendo ambos eles, diga-se, excelentes jornais, embora de orientação editorial antagónica -, não me parece normal que um jornal que foi uma coisa passe a ser outra insistindo em fingir que o não é enquanto alguns que criaram o Público se conformam temerosamente com essa aparente fatalidade.

    Aquilo que hoje afecta - por vezes muito injustamente, reconheço - a credibilidade do Público tem a ver com a falta de transparência e o carácter errático da sua linha editorial. É uma opinião, mas, como se sabe, está longe de ser apenas a minha opinião.”

4 comentários :

Anónimo disse...

Um bandalho que se vai.

Ze Maria disse...

Há uma cena num antigo filme, o Pátio das Cantigas,em que o personagem Narciso desempenhado por Vasco Santana exclama para o Evaristo - António Silva - numa altura em que este se propunha ausentar: - Oh Evaristo, quando lá chegares, manda saudades que ...É coisa que cá não deixas! O fernandes que faça o mesmo. Vamos ver se, descontados os basbaques, o Público volta a ser o que já foi.
(Há anos que nem de bolra lhe pego)

Anónimo disse...

Como o mundo é ingrato! Imaginem que o JMF jno 1º editorial da nova direcçãodo Publico já só é referido (sem escreverem o nome) para ser critcado ("O fundador deste jornal, Vicente Jorge Silva, disse num texto recente que a credibilidade da imprensa de referência ficou seriamente afectada pelos incidentes que rodearam a última campanha para as legislativas. Um balanço duro, mas uma conclusão lúcida).

Se eu fosse amigo do JMF dir-lhe-ia que, para a humilhação não ser tão grande, devia afastar-se de imediato de "outros projectos pessoais" que por várias vezes disse ir desenvolver no quadro do Publico. Como não sou seu amigo deixo este conselho para bem dos leitores do Público! Passar bem JMF

Anónimo disse...

Em relação ao Público, nada me espanta.O jornal(pasquim)foi nitidamente vendido pelo sr.Fernandes.Que diferença da direcção de Vicente Jorge Silva !