quarta-feira, dezembro 23, 2009

Testemunho de um ex-primeiro-ministro




    A minha intuição dizia-me que uma atitude defensiva face aos obstáculos criados pela Assembleia da República não compensava. Procurava então contra-atacar e tornear as dificuldades criadas. Alertava o País e acusava a oposição de obstrução sistemática e de querer impedir o Governo de governar. A oposição, por seu lado, acusava o Governo de arrogância, de seguir a táctica de guerrilha com a Assembleia e de manipular a opinião pública contra ela. [...]

    Face à acção dos partidos visando descaracterizar o orçamento [...], o Governo procurou dramatizar a situação, convicto de que isso jogava a seu favor. A seguir ao “Telejornal” do dia 8 de Abril fiz uma comunicação ao País através da televisão. Denunciei as alterações introduzidas na proposta do orçamento apresentado pelo Governo, as quais se traduziam em despesas públicas desnecessárias, aumento do consumo e benefícios para grupos que não eram os mais desfavorecidos da sociedade portuguesa. Procurei mostrar aos Portugueses como era errado e socialmente injusto forçar o Governo a decretar do preço da gasolina, uma clara interferência da Assembleia na área da competência do Executivo, que ainda nunca antes tinha sido feita. Para tornear as dificuldades criadas e para os que objectivos de progresso propostos pelo Governo pudessem ser ainda alcançados, anunciei na televisão um conjunto de medidas compensatórias visando, principalmente, contrariar o excesso de despesa e de consumo induzido pelas alterações feitas pela oposição. O meu objectivo, ao falar ao País sobre o orçamento, era também o de passar a mensagem de que o Governo atribuía grande importância ao rigor na gestão dos dinheiros públicos.

    A mensagem de que a Assembleia obstruía sistematicamente a acção do Governo passou para a opinião pública. O Governo, sendo minoritário, surgia como a vítima e acumulava capital de queixa: queria resolver os problemas do País e a oposição não deixava. A oposição não percebeu que, tendo o Governo conseguido evidenciar uma forte dinâmica e eficácia na sua acção, a obstrução ao seu trabalho não a beneficiava. O PS revelava dificuldade em ultrapassar os ressentimentos pelo desaire sofrido nas eleições de Outubro de 1985 e o seu comportamento surgia-me como algo irracional. O Governo e o PSD procuravam tirar partido da situação e alertavam a opinião pública para as estranhas convergências entre o PS e o PCP na Assembleia da República.
      Aníbal Cavaco Silva, "Autobiografia Política. Vol. I" (Temas e Debates, 2002, pp.144-145)

6 comentários :

A. Moura Pinto disse...

Parabéns. Bem apanhado.
Será que o Pacheco lê mesmo o blog que recomenda?
É que admito que não esteja a par da obra do seu PR e ex-PM.
E vou citar, claro...

MFerrer disse...

Olha!
Como postal de Boas Festas até que acho apropriado!
Uma verdadeira "visita" de Natal.
Eu até me atreveria a fazer uns postais alusivos à coerência, não à analhice!, e mandar este naco de prosa aos senhores deputados e ainda faria uns cartazes de 8x3m nas rotundas do País durante os próximos 6 meses.
Ficava já para o Carnaval e Páscoa, que como se sabe, não são menos gratificantes que os acontecimentos de Belém. Os de antanho e os de agorinha...
Um abraço

Pedro L disse...

Este texto vai dizer o Pacheco Pereira que constará dos tais arquivos secretíssimos deste blog que tem como objectivo claro, lutar contra o neofascismo, lutar contra a intoxicação política da direita e mas também de alguma esquerda. Ao contrário do que Pacheco Pereira diz, este não é um blogue de promoção ao Governo, até porque o governo não precisa de blogues, apenas precisa de votos, e quando vai a votos GANHA. Para Pacheco Pereira, desejo-lhe um feliz Natal, na Marmeleira, presentes terá pouco decerto, pois só espalha ódio mesmo entre os seus pares na Assembleia da República é público que quem por lá passa, vê que todos fogem de Pacheco...
Não deixa de ser triste, desejar-lhe um feliz ano novo, embora possa fazê-lo estou certo que deverá ser para Pacheco o ano da confirmação da Nulidade, da Prepotência, da Arrogância que tolda Pacheco Pereira. Penso que Pacheco Pereira sobre de uma doença que já não terá cura possível, talvez num estado menos avançado que a do PR, pois Pacheco ainda fala, ainda diz baboseiras que nos fazem rir, o PR já não fala. É uma pena termos gente assim que teimosamente impede a evolução de Portugal, a modernidade que tantos precisamos, qual Salazar, diria.
Pedro L

Anónimo disse...

Com o Pacheco ainda entre nós e o Cavaco tambem, é extremamente perigoso invocar o nome do Botas,pois ele pode querer voltar para cá, e, ainda por cima, reparem que o Homem de Boliqueime tambem usa botas .Arrenego ,lagarto lagarto lagarto. António Manso

Francisco disse...

:)
A memória e a falta dela sempre foram preciosas na politica.

Unknown disse...

Está aqui a cartilha toda. Agora faz o que eu digo e não o que fiz. Claro que J. Sócrates também leu estas declarações estratégicas do tempo em que a maioria absoluta cavaquista também se marimbava para a oposição mas, vamos ser sérios: se a Constituição prevê a maioria isso implica aceitar que governem sem pedir opiniões a não ser aquelas a que a Constituição obriga a fazer. Outra coisa pior é um governo ter de dançar ao ritmo da música da oposição e ainda ser o único responsável pela performance do governo. Boa malha que não sei quem possa comprar. se não aceitam o conceito de maioria absoluta tirem-no da Lei Fundamental apre!!!!