domingo, maio 23, 2010

"Ele sabe muito bem que acabou de atravessar uma linha na areia, para lá da qual se põe em causa o Estado de direito"

A Ana Vidigal reproduz a crónica de Miguel Sousa Tavares no Expresso de ontem, intitulada Imperdoável. Eis o primeiro parágrafo:
    Há qualquer coisa de sórdido em imaginarmos a cena: algures, numa sala escondida da Assembleia da República, José Pacheco Pereira deleita-se lendo as transcrições das escutas aos casos "laterais" detectados no âmbito do processo "Face Oculta". Enquanto esperava pela anunciada companhia do deputado comunista João Oliveira, ele era o único entre todos os membros da CPI ao caso PT/TVI com tal privilégio - para o qual, aliás, se voluntariou com indisfarçável gula. De muitos outros poderíamos, talvez, presumir falta de consciência plena das consequências deste gesto. De Pacheco Pereira, não. Ele sabe muito bem que acabou de atravessar uma linha na areia, para lá da qual se põe em causa o Estado de direito e de onde, provavelmente, não há regresso.

2 comentários :

FB disse...

Comenta-se muito, com oportunidade, mais este insucesso pachequiano na guerra que, aliado à sua amiga Manela, declarou ao engenheiro. É certo que a coisa lhe correu mal, mas admito que, desiludido com a fraqueza das peças em causa, assim como a dificuldade de com elas argumentar de modo a levar o primeiro-ministro ao tapete, Pacheco Pereira tenha imaginado que uma proibição de publicitar as escutas vinha mesmo a calhar: estaria à vontade para, durante semanas, a golpes de insinuações de quem foi lá ver e sabe tudo, propagar e alimentar a ideia que lá nada faltava para fazer morrer de inveja qualquer Starr.
Há no xadrez um princípio que cedo se aprende e cuja compreensão está ao alcance de qualquer jogador medianamente inteligente: uma ameaça só tem valor até à sua execução. Pacheco logo concluiu que um rápido e completo esclarecimento seria um esvaziamento do caso (lembremo-nos que Vara insistentemente requereu o levantamento do segredo de justiça...). Daí o interesse de uma espécie de proibição que mantivesse a pressão e, à imagem dos casos a que a justiça nos tem habituado, fosse permitindo a habitual violação do segredo de justiça e as insinuações que por essa via seriam instiladas, agora na própria CPI e finalmente seladas no tal relatório.
Mas Pacheco, como um elefante em loja de porcelanas, quis entrar a matar... e partiu a loiça. Na ânsia de assumir o papel de inquisidor-mor (e de resistência a todos os Passos) impacientou-se e começou a violar descaradamente o segredo de justiça logo na primeira ocasião. Desajeitadamente, colocou em evidência não só a violação do segredo como a ilegalidade do acesso às escutas.
Algumas horas depois, teve que deitar a toalha ao tapete. Perdeu este combate, mas esperemos pela próxima investida. Não é animal para desistir e poderá sempre dizer “eu vi” sem que alguém o incomode cada vez que o Sol alimentar a polémica.

Almerindo Ratapúncio disse...

Pois. A questão que o comentário prévio levanta é crucial. Vai ser «eu vi!» sem a transcrição exacta do que supostamente se viu ou ouviu. Para sempre.

E ninguém lhe vai perguntar: «então e não se deu ao trabalho de anotar com precisão -- palavra por palavra --aquilo que viu?».

Vai uma aposta?...