quarta-feira, maio 12, 2010

O procurador especial a olhar para o umbigo



Na crónica do passado sábado no Público, lido ontem aqui, Pacheco Pereira clama por um reforço da capacidade de escrutínio da governação pelo Parlamento. O ex-estratega da Marmeleira acha que estamos a assistir a um mundo novo, no qual o Parlamento descobre que, mais do que legislar, lhe compete fiscalizar a acção do Governo.

Neste seu despertar, Pacheco parece achar que tudo isto se deve à acção justicialista protagonizada pelo PSD nos últimos tempos. Engana-se. A deslocação das funções nobres do Parlamento da legislativa para a fiscalizadora há muito que tem sido estudada e verificada. Cristina Leston-Bandeira dedica-lhe, inclusivamente, uma tese de doutoramento (publicada em português já lá vão uns oito anos).

Mais, a última reforma do Parlamento, em 2007, durante a maioria absoluta socialista, consagrou um reforço sem precedentes dos mecanismos de fiscalização do Executivo, citando-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes:
    • O aumento para o dobro do número de debates com o primeiro-ministro (alternando um modelo anteriormente existente em que o debate é iniciado pelo chefe do Executivo, com um outro, em que este se sujeita a uma sessão de perguntas colocadas pela oposição);
    • Passou a haver idas obrigatórias — e calendarizadas — de membros do Governo à Assembleia;
    • Permitiu-se um aumento muito significativo dos direitos potestativos dos partidos da oposição, como, por exemplo, obrigar à vinda de um ministro à Assembleia ou o direito à fixação da ordem do dia por parte dos grupos parlamentares.
Antes da reforma, estes eram direitos sujeitos à aprovação da maioria. Deixaram de o ser, facilitando, evidentemente, a possibilidade dos grupos minoritários poderem accionar estes mecanismos; os requerimentos e perguntas ao Governo passaram a ter um prazo de 20 dias para serem respondidos. Entre tantos outros exemplos, poder-se-ia ainda referir a introdução da regra da publicidade de todos os trabalhos das comissões.

Para além do reforço dos poderes de fiscalização, a reforma do Parlamento de 2007 também introduziu uma série de medidas de agilização do funcionamento do plenário (no qual o tempo dos debates e de discussão das leis foi consideravelmente diminuído, em prol da vivacidade da discussão) e de valorização do papel das comissões, que passou pelo reforço da sua intervenção no processo legislativo, ou pelo alargamento do elenco de entidades cuja audição prévia dos candidatos a titulares passa a ser obrigatória (como os candidatos a juízes do Tribunal Constitucional).

É verdade que o ex-estratega da Marmeleira tem algumas razões de queixa. Efectivamente, a reforma de 2007 não consagrou o parlamento policial que tanto faz sonhar Pacheco (um parlamento de comissões de inquérito, “a actividade que tem mais impacto na opinião pública e que mais interesse suscita aos portugueses”) e contra o qual Pedro Adão e Silva alertava recentemente. Não, essa verdadeira big-brotherização da vida política (como João Lopes diria) não foi, de facto, consumada. Felizmente.

2 comentários :

Anónimo disse...

O da Marmeleira deve sonhar com escutas, vigilâncias electrónicas e máquinas das mentiras. Instrumentos de tortura já os tem em certos meios da comunicação social.

Ze Maria disse...

A bisbilhotice, por vezes doentia, e a a velhacaria andam sempre de mãos dadas. São a génese dos canalhas...