Uma revisão constitucional inconstitucional
É isso mesmo. O projecto de revisão constitucional apresentado pelo PSD viola a Constituição. Mais concretamente, viola dois dos limites materiais ao poder de revisão constitucional previstos no artigo 288.º da Constituição.
Sim, porque – como qualquer estudante de Direito sabe – a revisão constitucional também obedece a regras e está sujeita a determinados limites. Desde logo, limites temporais: não pode realizar-se antes de 5 anos decorridos sobre a última revisão constitucional ordinária. E limites circunstanciais: a proibição de revisão constitucional durante a vigência de estado de sítio ou estado de emergência. E limites formais: como, por exemplo, a exigência de aprovação por maioria de 2/3 dos deputados. E, por fim, limites materiais: a proibição de alterar as matérias listadas no artigo 288.º da Constituição, que se entende constituírem o núcleo identitário da Lei Fundamental e que, consequentemente, não são passíveis de alteração (sob pena de ruptura constitucional).
Ora, o projecto do PSD mexe em duas das matérias que se encontram protegidas pelo referido artigo 288.º: elimina o artigo 82.º, que prevê a coexistência de 3 sectores de propriedade (pública, privada e cooperativa), contrariando assim o limite material constante da alínea f) do artigo 288.º; e elimina os artigos 90.º e 91.º, que prevêem a existência de planos económicos, contrariando assim o limite material constante da alínea g) do artigo 288.º.
Perguntar-se-á: mas nunca, em circunstância alguma, se pode questionar coexistência de 3 sectores de propriedade ou a existência de planos económicos? Isto é, os tais limites materiais são absoluta e eternamente intransponíveis?
Não, não são. As matérias objecto de um limite material podem ser modificadas, mas apenas por via de uma dupla revisão. Isto é, numa primeira revisão constitucional remove-se o limite de entre a lista do artigo 288.º; e, numa segunda revisão constitucional, essa matéria pode ser finalmente modificada ou mesmo eliminada. Nisto consiste a célebre “tese da dupla revisão” – explicada em qualquer manual básico de Direito Constitucional.
Foi isso o que o PSD fez? Não, nada disso. O projecto de revisão constitucional do PSD, à bruta, acaba logo com os planos e a coexistência dos 3 sectores de propriedade.
Mas, não se terão os autores do projecto apercebido que as referidas matérias se encontram protegidas por um limite material de revisão constitucional? Aperceberam-se, sim (e isso é que é ainda mais grave). Tanto se aperceberam que, chegados ao artigo 288.º, eliminaram os limites materiais das alíneas f) e g). Ou seja, o PSD – voluntária e conscientemente – pretendeu, de uma só assentada, eliminar os limites e as matérias protegidas pelos limites. Precisamente aquilo que não pode ser feito!
Ao apresentar um tal projecto, o PSD viola grosseiramente a Constituição e comete um erro de palmatória – um erro que qualquer aprendiz de Direito Constitucional consegue detectar à distância. Atendendo à qualidade de alguns – alguns! – dos juristas que compõem a comissão de revisão constitucional do PSD, até me custa a crer que isto tenha sido possível, que tenham deixado passar tamanha asneirada. Ainda para mais, não foi por falta de aviso...
Pelo sim, pelo não, talvez seja de perguntar ao Presidente da República se ele estaria disposto a enviar esta “incontestável pioria” para o Tribunal Constitucional.
1 comentário :
Sr. Miguel Abrantes, modere o seu entusiasmo, por favor!
Vá mais devagarinho...
Temos de deixar o Dr. Passos Coelho terminar com a dignidade possível esta sua recta final à frente do psd.
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