quarta-feira, setembro 08, 2010

O editorial de Helena Garrido no Jornal de Negócios

Na senda do que tem vindo a escrever nos últimos tempos, Helena Garrido mistura hoje no editorial do “Jornal de Negócios” sobre educação doses perigosas de preconceito ideológico com uma interpretação superficial e mesmo desconhecimento de estatísticas, e tudo polvilhado com uma terrível ingenuidade analítica.

Confrontemos algumas das afirmações da jornalista.

• “Os números são de 2008 e revelam que houve melhorias na última década, mas concentradas na segunda metade dos anos 90. Desde 2005 que não se regista qualquer melhoria no nível global da educação dos portugueses”.

É falso: em 2005, 13% dos portugueses tinham formação superior; em 2008 eram 14%. Em 2005, 74% tinham menos que o 12º ano, em 2008 eram 72%. Em 2008, como em 0205 14% continuam a deter o ensino secundário. Mas até aqui estamos a aqui a falar do stock; se passarmos a falar do fluxo - bem mais importante para perceber o que as políticas públicas andam a fazer hoje, e não há meio século -, vemos as taxas de conclusão do ensino secundário farão os valores dos anos seguintes (2009, 2010 e daí em diante) subir seguramente: ao contrário da imagem que Helena Garrido quer fazer passar, as taxas de conclusão do secundário dos anos 2007 e 2008 são as mais altas de sempre (65% e 63%, respectivamente), quando em 1997 e 2000 – o “tal” final da década anterior onde, aí sim, teria havido ganhos assinaláveis – os valores não ultrapassavam os 52% (dados a confirmar aqui). E isto só foi possível porque a taxa de retenção e desistência no ensino secundário tem vindo a cair de forma clara precisamente desde 2005 (ver quadro retirado daqui, página 9).




• “Saber que 80% das pessoas que têm entre 45 e 54 anos não estiveram na escola doze anos pode ainda ter a racionalidade da herança do Estado Novo. Mas o que não se consegue entender é como foi possível deixar que quem tinha a idade de entrar na escola nos anos oitenta, alguns até depois da entrada de Portugal na CEE, se tenha ficado pelo nono ano, ou por um 12.º incompleto.”

Claro que se consegue entender se se perceber que as crianças são educadas por famílias – as mesmas famílias que o Estado Novo votou a 4 ou a 6 anos de escolaridade obrigatória. Não é preciso um doutoramento em sociologia para perceber que, de uma geração para outra, os ganhos em anos de escolarização são reduzidos ou moderados – a história do filho de pais analfabetos que tira um doutoramento nem tem nenhuma representatividade. Porquê? Porque, muito simplesmente, as variáveis “escolaridade dos pais” e “escolaridade dos filhos” não são independentes. Os ganhos de escolarização entre gerações, por serem reduzidos, penalizam os países que partem muito atrasados. É o caso de Portugal, que nos anos 60, quando os países da Europa do Norte começaram a generalizar o secundário, ainda lutava contra a praga nacional do analfabetismo e colocava a fasquia da escolaridade obrigatória nos “ambiciosos” 6 anos. É óbvio que as gerações seguintes continuaram a pagar por este atraso.

• “Durante as últimas décadas de estabilidade democrática, assistimos a muitas reformas - primeiro curriculares, agora organizativas - sem qualquer eficácia. Fracassou o objectivo de aumentar significativamente e rapidamente o nível de educação dos portugueses”.

Porque a Helena Garrido ignora a real importância da história e do que é um “ponto de partida”, dois quadros ilustram a realidade com que as políticas públicas tiveram de lidar. Talvez assim olhe de outra forma o percurso feito e o valorize um pouco mais (ver páginas 4 e 5 do mesmo documento).





• “É preciso convencer os portugueses de que é preciso estudar, e estudar, e estudar”.

Eles já o sabem. Se a jornalista olhasse com atenção para o ritmo de crescimento médio anual na década 1998-2008, descobriria que Portugal apresenta o segundo valor mais elevado da OCDE para os diplomados do ensino secundário (3,9%, atrás da Espanha, com 5,2%; a média da OCDE é de 0.8%) e do ensino superior (5,6 de crescimento médio anual, atrás da Polónia, com 6,1%; média da OCDE é de 3,4%).

O que resta a Helena Garrido? O mais elementar populismo: o problema, diz, é que “muito provavelmente…se olhou demasiado para o sistema e pouco, ou nada, para as pessoas”. Isto é o quê, “olhar para as pessoas”??? A jornalista podia começar a olhar melhor para a história e para os gráficos dos relatórios disponíveis sobre a matéria (e não apenas os internacionais).

    Contributo do Pedro T.

4 comentários :

Carlos Esperança disse...

Na década de 50 do século passado só era obrigatória a 3.ª classe para meninas e a 4.ª para rapazes.

Na primeira República eram obrigatórios 4 anos de escolaridade para ambos os sexos.

Era, pois, pior do que o post afirma.

Graza disse...

Não posso deixar de considerar brilhante esta contra análise, porque é uma cegueira completa, analisar, nunca levando em contra precisamente o "ponto de partida". Esse é aliás um dos nossos problemas, relativamente aos outros, no sentido em que, enquanto nós crescecemos os outros não ficam parados, logo, a nossa taxa de esforço tem que ser sustentadamente sempre superior. Mas a superficialidade das análises tem destas coisas quando se quer tocar um determinado tipo de música.

O que é "olhar para as pessoas"??? Deve ser ficar assim, basbaque... de boca aberta! Mas também um lugar comum, que vale para tudo.

mazevedo disse...

Caros companheiros, eu há muito tempo que digo,que Salazar continua vivo e por muitos anos.Ele só morre, quando acabarem as consequências da sua ditadura.

Rosa disse...

Concordo plenamente!