sexta-feira, novembro 12, 2010

Das imposições do eixo Berlim-Paris



Extracto do artigo ontem publicado no Público por João Rodrigues e Nuno Teles, co-autores do Ladrões de Bicicletas:
    (...) Do lado estrutural, temos uma arquitectura monetária europeia deficiente nos seus instrumentos e assimétrica nas suas consequências. Desde os anos de Governo de Cavaco Silva, a economia portuguesa seguiu uma trajectória inalterada: uma política assente na convergência nominal com os nossos parceiros europeus, seguida pela moeda única, criou um enviesamento favorecedor do sector dos bens não transaccionáveis (como o imobiliário) em detrimento dos bens destinados à exportação. Essa política foi aliada à privatização e liberalização dos mercados. Esqueceu-se que o problema estava na qualidade do nosso capital.

    Os crescentes desequilíbrios externos - o custo de uma transição para uma economia mais qualificada que os "mercados livres" mais cedo ou mais tarde permitiriam - seriam financiados pelo recurso à dívida de baixo custo. Tais desequilíbrios tornaram-se salientes com a crise financeira internacional iniciada em 2007. Com o sistema financeiro em colapso e a economia a afundar, os estados viram-se obrigados a intervir energicamente na economia por forma a prevenir uma nova Grande Depressão. Para lá dos estabilizadores automáticos, a inevitável socialização das perdas dos bancos traduziu-se num aumento dos défices públicos. Não satisfeitos pela factura apresentada aos contribuintes pelos desvarios do sistema financeiro, os mesmos mercados pedem um segundo pagamento através da especulação das taxas de juro da dívida pública.

    Colocar os problemas da economia portuguesa no contexto de uma integração europeia insustentável e de uma economia financeirizada não significa, contudo, aceitar a actual rendição. Só um bom diagnóstico pode apontar os caminhos a seguir. No campo europeu, é urgente que Portugal abandone o comportamento do "bom aluno" e, articulado com os outros países periféricos, recuse as imposições do eixo Berlim-Paris e a política de austeridade que lhes está associada. Nós também temos voto nas instituições europeias. Face à ameaça de uma reestruturação da dívida organizada pelos nossos credores, apontada como causa próxima do recente aumento das taxas de juro, Portugal e os restantes países periféricos devem responder com a ameaça de uma reestruturação da dívida por si organizada. Uma auditoria à nossa dívida pública seria um primeiro passo para sabermos quem detém os nossos títulos e em que condições. Só assim saberemos quem está a ganhar com a nossa desgraça.

    A resposta aos problemas europeus deve ser europeia: a transformação do fundo europeu de estabilização financeira, criado em Maio, num pacote de estímulo às economias europeias e a reorientação do comportamento do BCE, imitando a Reserva Federal, para o apoio às economias europeias são um primeiro passo nesse sentido. Adicionalmente, as periferias devem reconquistar instrumentos de política industrial e comercial para debelarem os défices permanentes nas suas relações com o exterior. Isto passa por permitir a suspensão das exigentes regras do mercado interno europeu por forma a permitir ajudas aos sectores inovadores nacionais e alguma protecção face às importações (...).

1 comentário :

Conde do Tarrafal disse...

Não sou economista,nem queria..para não ter como colegas tantos Vendidos aos capital...O que li,ajudou.me a compreender melhor a causa dos nossos problemas, e o que é Hoje a Europa.Parabéns. Gostava que os ditos ECOs. comentassem este texto.