George Stigler, Milton Friedman e John Kenneth Galbraith
• Dani Rodrik, O pensamento mágico de Milton Friedman [ontem no Público]:
- ‘(…) Friedman deixou também um legado menos ditoso. No seu zelo em promover o poder dos mercados, traçou uma distinção demasiado marcada entre o mercado e o Estado. Na verdade, apresentou o governo como o inimigo do mercado. Assim sendo, impediu-nos de ver a evidente realidade de que todas as economias prósperas são, de facto, mistas. Infelizmente, a economia mundial continua a ter de lidar com essa cegueira no rescaldo da crise financeira que resultou, em boa medida, de deixar os mercados financeiros demasiado à solta. A perspectiva Friedmanita subestima grandemente os pré-requisitos institucionais dos mercados. Se se deixar os governos fazer cumprir os direitos de propriedade e contratos, logo, num ápice, os mercados podem fazer funcionar a sua magia.
Na realidade, o tipo de mercados de que as economias modernas precisam não são autónomos em termos de criação, regulamentação, estabilização ou legitimação. Os governos têm de investir em redes de transporte e de comunicação; contrariar informação assimétrica, externalidades, capacidade de negociação desigual; moderar os pânicos financeiros e as recessões, e responder às exigências de redes de apoio e segurança social.
Os mercados são a essência de uma economia de mercado da mesma forma que os limões são a essência de uma limonada. Um sumo de limão puro é praticamente intragável. Para fazer uma boa limonada é necessário misturar-se o limão com água e açúcar. Claro que, se se puser água em excesso, estraga-se a limonada, tal como demasiada interferência por parte dos governos pode tornar os mercados disfuncionais. O segredo está não em evitar usar água e açúcar, mas em os usar nas proporções certas. Hong Kong, que Friedman apontava como o exemplo típico de uma sociedade de mercado livre, continua a ser a excepção à regra da economia mista - e, mesmo aí, o governo desempenhou um papel importante ao fornecer terreno para construção imobiliária.
A imagem que a maior parte das pessoas guardará de Friedman é a de um professor sorridente, franzino, despretensioso com um lápis na mão em frente às câmaras em Free to Choose para ilustrar o poder dos mercados. Foram precisos milhares de pessoas em todo o mundo para fazer este lápis, disse Friedman - para extrair a grafite das minas, cortar a madeira, juntar os componentes, e comercializar o produto final. Não houve nenhuma autoridade central a coordenar as suas acções; foi uma proeza conseguida pela magia dos mercados livres e do sistema de preços. Passados mais de 30 anos, há um factor interessante na história do lápis (que, na realidade, se baseou num artigo do economista Leonard E. Read).
Hoje, a maior parte dos lápis de todo o mundo são fabricados na China - uma economia que assenta numa peculiar mistura de iniciativa privada e intervenção do Estado.
Um Friedman dos dias de hoje poderia interrogar-se sobre como é que a China chegou ao domínio da indústria dos lápis, tal como ao de muitas outras indústrias. Existem melhores fontes de grafite no México e na Coreia do Sul. As reservas florestais são maiores na Indonésia e no Brasil. A Alemanha e os Estados Unidos possuem melhor tecnologia. A China possui muita mão-de-obra barata, mas o Bangladesh, a Etiópia, e muitos outros países densamente povoados e de baixo rendimento, também. Sem dúvida que a maior parte do crédito pertence à iniciativa e trabalho árduo dos empresários e trabalhadores chineses. Mas a história do lápis de hoje estaria incompleta sem se referir as empresas públicas da China, que fizeram o investimento inicial em tecnologia e formação; políticas de gestão florestal frouxas, que mantiveram a madeira barata de forma artificial; generosos subsídios de exportação e intervenção governamental em mercados cambiais, o que dá aos produtores chineses uma vantagem significativa O Governo chinês subsidiou, protegeu e incitou as suas empresas para garantir uma industrialização rápida. Alterando assim a divisão global do trabalho a seu favor.
O próprio Friedman teria deplorado estas políticas governamentais. No entanto, o mais provável é que as dezenas de milhares de trabalhadores que as fábricas de lápis na China empregam tivessem continuado a ser agricultores pobres se o Governo não tivesse incentivado as forças de mercado a impulsionar a indústria. Perante o sucesso económico da China, é difícil negar o contributo das políticas de industrialização do Governo. O lugar dos defensores do mercado livre na história do pensamento económico permanecerá seguro. Mas pensadores como Friedman têm um legado ambíguo e confuso, porque são os intervencionistas que são bem-sucedidos na história económica, que é onde de facto interessa.’
3 comentários :
Interessante artigo. Referi isso mesmo em post no meu blog. Imagem impresiva essa da limonada.
http://olharesdolitoral.blogspot.com/2011/10/limonada-e-economia-de-mercado.html
Ouvi dizer que o Friedman partilha o alojamento no Inferno com o Joseph Goebbels...
Como todos os fundamentalistas com o seu fundamentalismo , Friedman foi cego para um adágio que nos é tão querido : é no meio que está a virtude. Por outras palavras, o uso do bom senso deveria ser a regra em alturas tão complicadas como a crise que atravessamos. Pelo contrário, assiste-se a um extremar de posições ideológicas fundamentalistas que, pela sua rigidez deveriam de imediato ser descartadas, pois a realidade é tudo menos rigida e imutavel.
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