- 'Convém recordar que a lei penal existe para punir condutas, não resultados (estes podem ser ponderados para agravar, ou não, a punição daquelas). Foi esse, aliás, o alerta que o Conselho Superior da Magistratura deixou, aquando da sua audição na AR em Fevereiro de 2010,: "o enriquecimento não é uma conduta, é o resultado de uma conduta. Ora, das duas, uma: ou a montante deste enriquecimento, que é um resultado, existe já uma conduta penalmente censurável e penalmente punível, e portanto existe já um enquadramento legal que dá resposta a estas preocupações, ou não existe.[…] Aquilo que se pretende - e por isso nós estamos aqui a discutir um pouco no âmbito da inversão do ónus da prova e, portanto, na violação de um princípio constitucional que me parece ser um índice da nossa civilização e que é a presunção de inocência - é tentar retirar do acto ilícito a sua consequência e querer penalizar ou criminalizar a consequência, o que me parece não fazer muito sentido."
Dizem-nos os proponentes do crime de enriquecimento ilícito que será ao MP que competirá sempre a prova dos dois elementos constitutivos do tipo legal, a saber a existência de rendimento desproporcionado e a proveniência ilícita desse desvio. Tal, porém, é claramente infirmado pelos tipos legais propostos. Na verdade, para a consumação do crime, só na aparência se exige o preenchimento cumulativo desses dois patamares. Efectivamente, só a necessidade de provar a existência de rendimento desproporcionado se mantém. A esta somar-se-á já não a prova da proveniência ilícita desse rendimento mas tão só a prova de um facto negativo. Ou seja, para ser punida como crime, a detenção desse património não terá de advir de um ilícito, que se teria de provar à semelhança dos demais pressupostos do crime, mas, ao contrário, bastar-se-á com um desconhecimento da sua natureza lícita. Eis, pois, um caso, o único do sistema penal, em que, do desconhecimento, da dúvida, resulta a condenação do arguido. Parafraseando José Régio, a trilhar-se tal caminho, o acusador, para obter a condenação de alguém, bastar-se-á com dizer "não sei de onde o património veio, só sei (?) que não veio dali…"'
8 comentários :
Já aqui deixei um comentário em que referi estar de acordo com ESTA inversão do ónus da prova. Seja como for, gostaria que me dessem exemplos em que esta inversão provoque ou possa provocar situações de injustiça, isto é, se a propriedade tem proveniência lícita, qual é o problema em prová-lo? Pode-se citar José Régio ou, muito mais prosaicamente, aquele ditado popular que diz uma coisa do género, "quem ovos vende e galinhas não tem...".
Zé_Lucas disse...
Eu tenho a presunção de que o amigo pega de empurrão, mas se estou enganado voce sempre pode provar em tribunal, né?
Entretanto fico com a minha!
Maravilhoso, Anónimo das 09:47PM! Curta e esclarecedora a sua resposta ao Lucas.Adoooooorei!
Fantástica a contra-argumentação! Um grande exercício de superioridade intelectual. Verdade também que "presunção e agua-benta, cada um toma onde quer", amigo anónimo.
Amigo Zé_Lucas, a presunção nunca é suficiente nem pode servir de justificação para acusar. Se o acusado tem tudo perfeitamente legal pode, com certeza desmentir a acusação. Mas esta já terá sido feita, manchando o bom nome da pessoa em causa. porque , por mais que se faça justiça num tribunal, há sempre gente que faz na sua cabeça a ideia de culpa e que nunca a tirará de lá.
Nas leis actuais, há que investigar e reunir meios de prova antes de formar uma acusação. Nesta lei em particular, a simples constatação de que alguém é rico e o facto de quem constata não saber como aquela pessoa ficou rica é suficiente para abrir um processo de acusação. Assim, sem mais. Agora diga-me que não consegue vêr aqui algo de profundamente grave no que diz respeito ao atropelo dos direitos individuais de uma pessoa. Mesmo uma pessoa rica. Só porque ninguém, de momento, gosta dos ricos?
Ainda uma outra nota, já aqui repetida, mas que as pessoas parecem não entender : os sinais exteriores de riqueza, aquilo que se considera riqueza em si não são um crime. Ninguém comete crime por ser rico e demonstra-lo da forma espampanante ( ou não ) que entender. A forma como adquiriu essa riqueza é que já pode ser licita ou criminosa. E todos os crimes que possam dar origem a riquezas de dubia proveniencia já estão perfeitamente enquadrados na lei : corrupção ( passiva ou activa ) roubo, falsificação, etc etc. Em suma , a acção que leva ao enriquecimento ilicito ( corrupção, roubo, falsificação etc etc ) é que deve ser punida , e nunca a consequencia ( o estar cheio de dinheiro , que quem acusa, por acaso não sabe de onde apareceu ).
Que não se confie nos politicos nem se goste dos ricos, é compreensivel e justificado nos tempoos que correm. O que não tem justificação é a suspensão dos direitos e garantias a que todos tem direito para que,preguiçosamente , a justiça faça passar a ideia de que algo está a ser feito, quando de facto não está, não vai estar e nunca estará com demagogias destas.
Mais uma coisa que esqueci, amigo Zé Lucas : quando se inverte o ónus da prova, a simples presunção é suficiente para acusar e abrir um processo ao visado. É o visado que a terá de provar falsa.
Assim sendo , o exemplo, um pouco brejeiro, que o anónimo das 09:47 lhe deu explica perfeitamente o problema desta lei : é feita uma acusação, baseada numa presunção, que terá depois o amigo Zé Lucas de provar estar errada.
Em suma, o rescuscitar da caça ás bruxas. Penso que a nossa civilização já terá ultrapassado essa fase...ou não?
Por "convenience-sake", podemos sempre considerar o mundo como sendo uma mesa de café muito grande. Ao fim e ao cabo, que falta faz no nosso dia-a-dia saber que existe Equador, meridianos, gravidade e coisas do género?
Também por "convenience-sake", neste caso para defender a nossa posição sobre um determinado assunto, podemos rearranjar os factos, e considerar que se pode acusar alguém de enriquecimento ilícito, quando existem declarações de rendimentos e documentos similares registados nas instituições legais que mostram o contrário.
Por "convenience-sake", podemos todos considerar que o mundo é o da Suzaninha e achar que os pobres até nem terão culpa de o serem.
Ninguem mais do que eu acha que a presunção de inocência é um dos pilares de uma civilização avançada,é contra os linchamentos populares e tudo e tudo, mas, "Eppur si muove"
Não há nenhuma inversão do ónus da prova.
O que se pretende criminalizar é a detenção de rendimentos não justificados ou não declarados e não a forma como se obteve esses rendimentos. É esse o crime.
Ou seja, é a falta de declaração ou justificação desses rendimentos percebidos que se criminaliza e não a forma como se obtiveram.
Ou seja, o Ministério Público não tem de provar a proveniência desses rendimentos, apenas tem de provar que esses rendimentos não se encontram justificados ou declarados e competirá ao arguido apresentar a sua defesa, justificando-os e declarando-os. Não atirem areia para os olhos das pessoas.
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