O pacto de desconfiança

Passos Coelho afirmou no discurso de tomada de posse que pretendia estabelecer um «novo pacto de confiança».

É verdade que a democracia assenta num pacto de confiança entre governantes e governados. E é por isso que qualquer actuação à margem desse pacto tácito impõe a invocação, por parte do governo, de razões extraordinárias e que possam aceites como legítimas pelos cidadãos, sob pena de tal actuação ser percebida como um uso iníquo do poder.

Ora, quando o soberano desconfia dos cidadãos e esconde, com malícia, as suas intenções e as suas acções¹, está a romper o pacto de confiança que justifica o consentimento democrático - a obediência, como diziam os clássicos - e, a partir desse momento, o cidadão, no exercício legítimo da sua liberdade, readquire o direito de resistência. “Com efeito, a liberdade não tira, antes põe, a necessidade de agir”. (ESPINOSA, Baruch, Tratado Político, c. II, § 11, p.18, São Paulo 2009)

A hipótese benigna é que PPC não fazia, nem à data, nem agora, a mínima ideia do que estava a dizer quando proferiu tal frase. A hipótese mais provável, no entanto, é que o tal novo pacto era, afinal, um pacto de desconfiança.

Afonso

_________
¹ Esta semana foi pródiga em exemplos.