quinta-feira, junho 06, 2013

"Membros da troika não são parceiros, são credores"


Passagens da entrevista de Óscar Gaspar, assessor económico de António José Seguro e também dirigente socialista, ao Jornal de Negócios:
    - O PS vota contra o Rectificativo porquê?
    - A questão básica é política. O Rectificativo representa a continuação de uma política de redução do défice custe o que custar. Esta é uma abordagem errada tanto em termos económicos, como de finanças públicas. Além disso, tanto o Orçamento Rectificativo, como o Documento de Estratégia Orçamental (DEO), são muito pobres tecnicamente.

    - Porque diz isso?
    - É bastante significativa a abordagem que o Conselho de Finanças Públicas fez ao DEO, dizendo que se limitava a enunciar de forma genéricos medidas e que tinha uns números que não se percebia de onde vinham. No Rectificativo isso também acontece. Parece haver pouca coerência entre os diversos documentos. Há uma grande falta de transparência.

    (…)

    - Salários da Função Pública e pensões são 70% da despesa. É possível consolidar sem cortes nessas áreas?
    - O valor da despesa de funcionários públicos no PIB não é superior à média da UE. Em relação às pensões, o DEO tem um mapa sobre sustentabilidade das finanças publicas e não vê lá nenhuma preocupação sobre pensões ou saúde. E precisa uma verdadeira orçamentação plurianual e regras de performance e desempenho na orçamentação. Portugal é dos únicos países da OCDE que não as tem.

    - Com esses instrumentos é possível excluir cortes de salários e pensões?
    - Acho que é de excluir. Temos de falar de forma honesta com a troika, dizer a verdade sobre as contas públicas e dizer o que é credível e possível fazer nos próximos anos. Se não tivesse havido o corte de subsídios de férias e de Natal teríamos tudo melhor, mais economia, mais emprego e não teríamos tido mais défice.

    - O Partido Socialista aprovou o Tratado Orçamental, o qual prevê que países com uma divida púbica superior a 60 % do PIB reduzam a diferença em 1/20 avos por ano. Estimativas disponíveis apontam para a necessidade de um saldo primário de 3% a 3,5% ao longo de 20 anos. [foi de 2% no ano passado] Como cumpre o objectivo sem cortes na despesa nas pensões e salários?
    - Entendemos que é importante que se passe a mensagem verdadeira que queremos consolidar as contas públicas. Também dissemos na altura que, a par com o Tratado Orçamental, deveria haver um Tratado de crescimento e emprego, um tema que está a ganhar importância. Nesta discussão, uma coisa é a questão de princípio e de trajectória, outra coisa é a aplicação cega da regra.

    (…)

    - Isso quer dizer que, se e quando o PS for Governo, estará com um Tratado nas mãos que o obrigará a um esforço ainda superior...
    - O que fica claro é que o princípio é correcto, mas não se pode aplicar de momento a Portugal. Não é possível. Os dados que estão no DEO assumem que a redução da dívida não vai acontecer nos próximos anos. Esta matéria deve ser tratada na frente europeia, e por isso o PS defende o fundo de redenção proposto pelos cinco sábios alemães, no sentido de que a divida pública acima de 60% passe a ser mutualizada

    - Não temos um fundo de redenção mas temos um Tratado Orçamental que entra em vigor dentro de dois anos. 0 PS acha que tem de ser negociado?
    - O esforço de consolidação vai existir. Agora a regra, com a actual dinâmica, não vai ser conseguida nos próximos anos. Não sei exactamente os contactos do Governo com as autoridades europeias, mas é obvio para todos que a regra [de dívida] não vai ser aplicada nos próximos anos.

    - Há uma desconfiança de que o PS se chegar ao Governo fará essencialmente o mesmo que o Governo. Como garante que o PS será diferente?
    - É óbvio que o PS faria diferente. O Governo regozijou-se do acordo que consegui na concertação social. Passado um ano e meio percebe-se que só quis o acordo para troika ver. Isso é inaceitável. Este PSD tema actuado de forma isolada, sem ouvir ninguém, e acredita que é com a desvalorização, com uma redução dos custos dos factores de produção que se consegue ganhar competitividade. Nós não acreditamos nisso. O País deve apostar no investimento e no investimento privado e assegurar que não há uma ruptura do modelo social. Essa é uma garantia que os portugueses têm do PS.

    (…)

    - 0 acordo que PS negociou com a troika e assinado peto PSD e PP previa objectivos orçamentais ainda mais exigentes...
    - Desculpe, mas o que o memorando tinha em medidas de austeridade não tem comparação com as que foram aplicadas.

    - O Governo não explora a margem negocial da troika?
    - O Governo tem andado dizer que a situação está melhor do que está e isso prejudica a negociação.

    - Desresponsabiliza a troika da má avaliação das condições do País?
    - Nas negociação cada parte deve defender os seus interesses.

    - Vê a troika como credores ou como parceiros?
    - Como credores, muito mais preocupados com os créditos.

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