sexta-feira, julho 05, 2013

O resto do filme

— Pedro, agora eu quero ir por ali!

• Pedro Silva Pereira, O resto do filme:
    ‘O Governo de coligação PSD/CDS, com a ligeireza própria da adolescência, resolveu entrar esta semana, pelo seu próprio pé, numa animada montanha russa. E enquanto por cá se sucediam, a velocidade vertiginosa, as cenas caricatas - para enorme espanto do País, da Europa e dos mercados - o primeiro-ministro optou por ir a Berlim (!) explicar porque é que o Governo, apesar de tudo, devia continuar. A explicação que deu foi extraordinária: "Não acredito que os portugueses não queiram ver o resto do filme". Manifestamente, o primeiro-ministro ainda não percebeu que é o principal protagonista de um filme deprimente, que só pode acabar mal.

    Passos Coelho faria bem em ler com a devida atenção a longa e reveladora carta de demissão do seu mentor e ex-ministro de Estado e das Finanças. Nessa carta, Vítor Gaspar não se limitou a pedir a sua exoneração - optou por fazer o ‘front-loading' das memórias que há-de publicar daqui a trinta anos e reconheceu, desde já, o duplo fracasso da política do Governo. Disse ele: "o nível de desemprego e de desemprego jovem são muito graves" e "o incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma queda muito substancial da procura interna e por uma alteração na sua composição que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias. A repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto ministro das Finanças". Dois anos de austeridade "além da ‘troika'" deram nisto. O que Vítor Gaspar percebeu é muito simples: não há um final glorioso para este Governo. Na linguagem cinematográfica do primeiro-ministro, isto pode dizer-se assim: este filme não vai ter um final feliz.

    Falemos então do resto filme, porque afinal é em nome dele que este Governo sobrevive e conta com o patrocínio do Presidente da República. O que está no guião dos próximos capítulos é mais do mesmo: cortes nas pensões; despedimentos e cortes de salários na função pública; cortes nos serviços públicos e na protecção social. Aquilo a que se chama "reforma do Estado" é, recorde-se, um pacote de austeridade de 4.700 milhões de euros (!), que apenas promete mais recessão e desemprego. E a ele se seguirá ainda um novo programa de austeridade - dito programa cautelar - porque, no fim das contas, com os fundamentais da economia todos no vermelho, o tão falado "regresso pleno aos mercados" continua a ser uma miragem.

    É esta, e não outra, a agenda do Governo que PSD e CDS insistem em salvar. Uma agenda cada vez mais longe dos compromissos eleitorais firmados com os portugueses. Sem dúvida, a aritmética parlamentar, assente numa coligação que já não é o que era, associada à conivência do Presidente da República, podem garantir a sobrevivência desta "coisa" que dá pelo nome de Governo. Mas não em nosso nome. Ninguém pediu para ver este filme. E muito menos disse que o queria ver até ao fim.

2 comentários :

Rosa disse...

Excelente cometário de Pedro Silva Pereira!
E eu até gosto de cinema...mas não deste...antes de ir, tenho por hábito escolher um filme que me dê garantias de sair de lá satisfeita...

Anónimo disse...

Pedro Silva Pereira no seu melhor. 'O front-loading' das memórias que há-de publicar', toda a analise é genial. Que saudades de ter no governo pessoas que nao partilham o QI dos concorrentes da Casa Dos Segredos da TVI.

V.G.S.