• Fernanda Palma, Políticas perigosas:
- ‘O poder executivo pode conceber como um risco uma declaração de inconstitucionalidade num Estado de Direito?
A resposta tem de ser negativa. Numa sociedade democrática, o único risco a evitar é o inverso: as decisões políticas e legislativas violarem a Constituição. Conceber uma Constituição democrática como entrave político é um contrassenso.
Princípios como a dignidade da pessoa ou a igualdade e os direitos fundamentais são condições do livre desenvolvimento da personalidade que o poder político deve assegurar. A Constituição garante a sua validade através da fiscalização da constitucionalidade (que implicou a criação de um órgão jurisdicional com a primeira Constituição escrita, a norte-americana).
Numa situação de crise e necessidade, é difícil maximizar todos os direitos – e, sobretudo, os direitos económicos, sociais e culturais. Todavia, os critérios de repartição de sacrifícios têm sempre dois limites: devem garantir as condições mínimas de dignidade e uma essencial igualdade, protegendo na maior medida possível os interesses de todos e de cada um.
Se uma lei qualquer autoriza o Estado a não respeitar o direito fundamental à segurança no emprego dos seus funcionários, abrindo a porta a despedimentos sem justa causa, ficam postos em causa os princípios da confiança e da segurança jurídica. Ora, quando esses princípios constitucionais entram em crise, o Estado perde toda a sua credibilidade perante os cidadãos.
Muitos admitem, cinicamente, a deterioração das relações laborais dos trabalhadores da Função Pública com o argumento de que se passa já o mesmo no setor privado. No entanto, o direito à segurança no emprego e a proibição de despedimentos sem justa causa são um direito fundamental de todos os trabalhadores, por força do artigo 53º da Constituição.
É extremamente grave que o Estado dê aos empregadores o exemplo de violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores, assumindo-o como um risco deliberado e advertindo o Tribunal Constitucional das consequências de um possível juízo de inconstitucionalidade. Ao agir assim, o Estado transforma-se, verdadeiramente, no pior dos patrões.
Uma coisa é extinguir privilégios injustificados e outra é pedir aos cidadãos que se esqueçam dos direitos que a Constituição lhes confere. Para quem entenda que a Constituição que jurou cumprir está "desatualizada" e não se adequa ao tempo presente, só há um caminho democrático a seguir: propor e conseguir fazer aprovar uma revisão constitucional.’
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